Há tempos venho escrevendo neste espaço sobre a crise do jornalismo, algo que me entristece como profissional e me preocupa enquanto cidadão. Dá para refletir muito sobre esse quadro, dissertar sobre como a internet (leia-se inclusão digital e redes sociais) transformou todo mundo em comunicador, afinal, basta um celular para fazer uma foto, um teclado para digitar texto ou apenas uma legenda e uma rede para postar e temos uma notícia, logo, um “jornalista”. Esse processo começou ainda nos anos 2000 com o surgimento dos blogs e dos famigerados blogueiros, inclusive.
Mas o tema é amplo e pretendo aqui refletir sobre um recorte em específico. Sobre como hoje o jornalismo (e por extensão as redes sociais, incluindo influencers, mídias etc) é obcecado ou mesmo dependente da opinião alheia. Não se trata de uma abstração ou um cisma conceitual. Falo de algo bem concreto. Praticamente todos os portais sérios, digamos assim, tem áreas de enquete perguntando ao leitor/internauta o que acha de x ou y questão.
A princípio a ideia parecia boa. Democratizar a notícia e a percepção delas através de saber o que o leitor pensa. Mas a coisa desandou quando o veículo passa a querer que se opine sobre absolutamente tudo. Uma coisa é perguntar “Quem você acha que será o campeão brasileiro deste ano?”. Afinal, a questão trata de paixão, do time de cada um, da visão que a pessoa tem sobre futebol e do impulso do momento, além de tratar sobre algo imponderável, pois cada time depende de si mesmo para conquistar um torneio.
Outra coisa é perguntar “quem você acha que Lula deveria indicar para o STF?”. Afinal, neste caso se trata de uma decisão que por lei concerne única e exclusivamente ao presidente da república com base em critérios definidos. Por que teremos que saber a opinião de Cefas Carvalho, jornalista paulistano-potiguar sobre quem Lula quer no STF? Eu poderia responder: Jorge Messias, Rodrigo Pacheco, uma mulher negra ou um advogado amigo meu de infância que abriu escritório no Alecrim. Não cabe a minha opinião ou a de nenhum leitor sobre um tema desses.
Idem a pergunta que me parece sempre uma casca de banana, quando feita: “Você acha que Bolsonaro deve ser preso?”. Ora bolas, não cabe ao leitor internauta opinar sobre um processo judicial devidamente legal e tramitando normalmente, com todos os direitos de ampla defesa e apresentação de provas etc. Se um processo consiste no que está nos autos, por que a opinião de alguém – seja eu, você, o papa, o vendedor de cachorro quente – que não leu os autos teria o menor interesse?
Na verdade, sempre me parece que no caso dos grandes veículos, se trata de uma maneira de convencer, ou fingir, para o consumidor de informação, que a mídia é democrática. Sabemos que ela não é e que atende quase sempre a interesses maiores, do poder político ou do capital. Também é uma maneira de gerar matérias de maneira artificial com base em enquetes que supostamente refletem a vontade de uma “maioria” (de votantes daquele recorte, claro). Se eu faço uma enquete no meu blog sobre a prisão de Bolsonaro e dos 40 gatos pingados que votaram, 25 querem que ele seja solto, eu ganho direito de produzir a matéria: “Maioria quer Bolsonaro livre”. E a partir daí jogar esse link nos grupos, sabendo que grande parte dos leitores lê apenas a manchete, não o texto da matéria.
Sobre a obsessão pela opinião alheia também me perturba como empresas e influenciadores adotaram isso como política de mídia. A influencer vai abrir uma butique? Aí ela oferece três nomes diferentes para seus seguidores escolherem qual ela deve usar. A pizzaria vai criar um novo sabor? Aí ela pergunta para clientes e/ou seguidores se preferem: a) brócolis com banana, b) calabresa com mel de engenho, c) filé com fritas e pesto de coentro.
Sei que é estratégia de marketing, e talvez dê certo quase sempre, mas me parece que a coisa toda está ganhando proporções grandes demais. Dia desses uma modelo, digamos, do Instagram perguntou aos seus seguidores se deveria abrir conta no Only Fans e que tipo de conteúdo ela deveria postar, insinuante ou explícito.
Sinal dos tempos. Para amigos meus, essa situação, seja no jornalismo, seja na comunicação pessoal, é irreversível, ou seja, cada vez mais vamos ver mais perguntas sobre a minha, a sua opinião. O que leva a crer que as pessoas também vão cada vez dar opinião sobre o que não sabem, já que instigadas a dar opinião sobre tudo.
Para terminar, você que leu, gostou deste texto? Nas sua opinião, eu escrevo mais sobre esse assunto ou abordo novos temas?
Fonte: saibamais.jor.br



