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‘Red pills’, extrema-direita religiosa e cultura de posse escancaram epidemia de feminicídios

Nestes últimos dias vimos nos portais e redes um show de horrores envolvendo ataques e assassinatos de homens contra mulheres. Em São Paulo, um homem atropelou Taynara Souza Santos, 31 anos, e arrastou seu corpo com o carro por 1km, fazendo com que tivesse as duas pernas amputadas. Também em São Paulo, um homem atirou com duas armas à queima-roupa contra a ex-companheira, Evalin de Sousa, em uma pastelaria, a deixando em estado grave. Em Florianópolis, Catarina Kasten, de 31 anos, saiu de casa para aula de natação e foi morta e violentada por um desconhecido. No interior do Acre, Josie Silva da Costa, de 42 anos, foi assassinada com tiro na nuca pelo marido por uma discussão banal.

Quatro mulheres, quatro casos. Mas há muitos outros. Lendo os desabafos de jornalistas mulheres que sigo nas redes, fui pesquisar o número de feminicídios ou agressões registrados e noticiados pela mídia nos últimos cinco dias (de sexta, dia 28 de novembro para cá). Contei 25 casos diferentes, de assassinato a sangue frio à violência doméstica grave. Há ainda, como os jornalistas registram, os casos não noticiados pela imprensa e a subnotificação de agressões.

Como algumas jornalistas escreveram, trata-se de uma epidemia de feminicídios. E como acontece nesses casos, muita gente tem soluções simplistas para problemas crônicos e complexos (como é o caso do feminicídio, que remete a séculos de história). Há quem defenda (geralmente homens) a solução do punitivismo imediato. Aumento de penas e mesmo o “olho por olho, dente por dente”. Há quem deseje uma ampla campanha de conscientização (geralmente mulheres) para que meninos não cresçam machistas e homens mudem comportamentos que lhes foram ensinados. A primeira ideia esbarra na ineficácia (pena maior não impede o crime) e na quebra do papel do Estado (não cabe aos presos nem à população justificar o criminoso) e a segunda flerta com a utopia (conscientização é necessária, mas não resolve o problema).

Em grupos de zap e fóruns de discussão nas redes resolvi não ter opinião formada sobre a solução e ler e escutar o que as mulheres – as vítimas e maiores interessadas na solução do problema – tem a dizer. Entre jornalistas, advogadas e estudiosas do tema, um recorte parece sempre vir à tona: o crescimento dos ‘red pills’. Para quem não sabe com exatidão que diabos é isso, trata-se de um movimento de homens que acreditam que a sociedade foi corrompida pelo feminismo e pelo “politicamente correto” e que, por criticar o comportamento livre das mulheres, pregam ideais misóginos e sexistas. Para o red pill, os homens são naturalmente mais dominantes e assertivos, portanto as tentativas de criar igualdade, e eliminar os estereótipos negativos de gênero, são prejudiciais para a sociedade. Como se vê, essa postura, disseminada e seguida por milhões de homens, flerta assumidamente com a violência contra as mulheres, já que justifica biologica e socialmente o domínio do homem sobre a mulher.

Outra discussão lúcida que percebi foi sobre como a ascensão da extrema-direita fundida com o evangelismo neopentecostal favoreceu a cultura de violência sobre as mulheres. A princípio, um dos principais conceitos da direita cristã, a santidade da família, poderia levar ao pensamento que a mulher seria preservada. Na prática é exatamente o oposto. Com a visão do Velho Testamento que a mulher é apenas uma posse (Abraão tinha 2 mulheres, Jacó tinha 2 e mais as 2 escravas delas, Davi, pelo menos 4, e Salomão tinha 1000 mulheres, concubinas e escravas), uma vez que o objeto que é do homem – carro, carteira, moto, celular, esposa, namorada – lhe foi tirado, nada mais justo que ele reaja, com violência, se necessário, como manda os códigos tribais na Bíblia pré-Jesus que para os neopentecostais não entra na equação).

Nessa conta (Bíblia seletiva + machismo estrutural + conservadorismo) as mulheres saem como vítimas a partir do momento que são desumanizadas, portanto, passíveis de serem eliminadas se não querem mais uma relação ou cometeram um erro que merece punição, aos olhos do homem.

Claro que conjunturas políticas no macro pioraram a situação. Um desgoverno de extrema-direita por 4 anos no Brasil possibilitou mais armas de fogo na sociedade, gerando assim mais mortes em geral e mais feminicídios em específico.

Soluções fáceis para essa tragédia não existem e devemos desconfiar de quem apresenta ideias estapafúrdias (como armar as mulheres, por exemplo). Mas entender o problema e esmiuçá-lo é importante para achar soluções. Para, pelo menos, estancar essa epidemia de agressões e assassinatos.

Fonte: saibamais.jor.br

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