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Relatório aponta vigilância na Uern durante a ditadura

O relatório final da Comissão da Memória e da Verdade da Uern (Universidade do Estado do Rio Grande do Norte) mostrou que a instituição foi alvo de mecanismos de controle e vigilância institucionais durante o período da ditadura militar.

O documento, entregue nesta terça-feira (16) em reunião no campus central, em Mossoró, sistematiza a apuração histórica sobre a atuação da instituição durante a ditadura militar no Brasil. A entrega marca a conclusão de um trabalho iniciado em abril deste ano e desenvolvido ao longo de oito meses, com levantamento documental, análise de fontes oficiais e realização de entrevistas.

A comissão responsável por produzir o relatório foi presidida pelo professor Marcílio Lima Falcão. Segundo o docente, a comissão realizou um amplo levantamento de fontes, incluindo documentos do Arquivo Nacional e relatórios do Serviço Nacional de Informações (SNI), disponíveis publicamente. 

“Esses documentos apontam a existência de vigilância, e a pergunta que nos fizemos foi se essa vigilância também se instalou na Universidade, considerando que a Uern surge em um dos momentos mais críticos da ditadura”, explicou.

Ao longo da pesquisa, foram analisadas 302 pastas funcionais de servidores. A comissão também examinou atas de conselhos universitários, da Associação dos Docentes da Uern (Aduern) e realizou oito entrevistas, sendo três com mulheres, além de ouvir lideranças estudantis e docentes que atuaram no período. Entre os entrevistados esteve o professor João Batista Xavier, que relatou episódios de vigilância relacionados à realização da Semana de Filosofia.

De acordo com o relatório, não foram encontrados indícios de perseguições individuais dentro da Uern, mas há registros de mecanismos de controle e vigilância institucionais, especialmente por meio do Conselho Universitário (Consuni). 

Professor Marcílio Falcão foi um dos responsáveis pelo documento, que traz recomendações à universidade – Foto: Luziária Machado/Uern

“Não identificamos perseguições diretas a pessoas, mas sim um controle exercido nas estruturas institucionais, o que é característico do contexto da modernização conservadora daquele período”, ressaltou Marcílio Falcão. 

Ele acrescentou que, nas atas da associação docente, predominavam pautas relacionadas à luta salarial e às condições de trabalho.

Recomendações

Ao final do relatório, a Comissão da Memória e da Verdade apresentou um conjunto de encaminhamentos à gestão universitária, entre eles: 

• O mapeamento e a organização da documentação institucional referente ao período de 1968 a 1985; 

• Incentivo à pesquisa, à realização de eventos e a publicações pela Editora Universitária da Uern (Eduern) sobre a ditadura militar brasileira;

• Criação e instalação de placas e marcos temporais sobre a atuação da comunidade acadêmica da Uern durante o regime militar;

• Adoção de medidas de reparação histórica, ainda que de caráter simbólico, destinadas a lideranças docentes e estudantis que atuaram na Universidade no período analisado.

Durante a entrega do relatório, a reitora Cicília Maia sugeriu, ainda, outros encaminhamentos complementares, como a ampliação do acesso ao conteúdo produzido, inclusive com disponibilização para consulta online; a realização de um momento público de apresentação do relatório à comunidade acadêmica, preferencialmente na Associação Cultural Esportiva Universitária (Aceu), espaço historicamente ligado à Semana de Filosofia; a promoção de um segundo ato durante a Semana de Humanidades; além da elaboração de um documentário e de publicações institucionais pela Uern, com o objetivo de fortalecer a preservação da memória e o debate sobre o papel da Universidade no período da Ditadura Militar.

Estiveram presentes na entrega, além da reitora Cicília Maia e do professor Marcílio Falcão, o vice-reitor, Chico Dantas; a subchefe de Gabinete, Anairam de Medeiros; e os demais integrantes da comissão: o professor Jefferson Garrido, Patrícia Moreira (professora de Direito do campus Natal), Paulo Andrade (ex-secretário-geral do Diretório Central dos Estudantes – DCE, indicado pela entidade), Ângelo Emanuel (técnico do Departamento de Filosofia) e Josivan Silva (estudante do curso de Rádio e TV).

Espionagem em universidades de Mossoró

Em abril deste ano, o Ministério Público Federal (MPF) realizou uma audiência pública para debater as espionagens promovidas pelo Serviço Nacional de Informações (SNI), órgão de inteligência criado no contexto da ditadura militar, na então Universidade Regional do Rio Grande do Norte (URRN) e na Escola Superior de Agricultura de Mossoró (ESAM) — hoje Uern e Ufersa, respectivamente.

O SNI foi um órgão de inteligência criado em junho de 1964, no contexto da Ditadura Militar, e que desenvolveu espionagem em diversas instituições em todo país, incluindo as de ensino superior do município de Mossoró, segunda maior cidade do Rio Grande do Norte.

Os espiões atuaram especialmente na então Universidade Regional do Rio Grande do Norte (URRN), atual UERN, e na Escola Superior de Agricultura de Mossoró (Esam), conforme demonstram diversos documentos produzidos pelo SNI e atualmente disponíveis no Arquivo Nacional.

Dentre as ações acadêmicas que foram alvo dos “agentes” estão uma mesa redonda organizada pela Faculdade de Filosofia de Mossoró, em 3 de maio de 1982, cujo tema era “Partidos Operários no Brasil, ontem e hoje”, tendo contado com a participação de Salomão Malina e Haroldo Lima, então filiados ao PCB e ao PCdoB, respectivamente.

O SNI também promoveu intenso serviço de espionagem na “V Semana de Filosofia do Rio Grande do Norte”, ocorrida entre 01 e 05 de maio de 1984. Além das atividades acadêmicas, há relatórios sobre greves e a respeito do contexto político da cidade, produzidos pelo SNI na época, bem como documentos referentes à prisão de jovens considerados “subversivos”, na década de 70.

O órgão ainda repercutiu a prisão de Ricardo Torres de Carvalho, Jonas Rufino de Paiva, Francisco Aurélio de Araújo, Lourival Alves da Silva e José Henrique da Fé efetivada pela polícia de Mossoró em 1º de maio de 1970, dia do trabalhador, tendo em vista que eles estavam distribuindo panfletos considerados “subversivos”. Na avaliação do órgão, “estão os subversivos dispostos a tudo e procura solapar a ordem pública e induzir o povo contra a lei e os poderes constituídos”, mesmo em se tratando de exercício não violento da liberdade de reunião e manifestação.

Houve novo interesse do SNI pela “Semana de Filosofia do Rio Grande do Norte”, perante a qual “tem comparecido elementos de diversas organizações esquerdistas”, tendo o órgão monitorado João Batista Xavier, Professor de Filosofia e Estudos Sociais da então URRN, buscando obter a qualificação e outros dados do docente.

Fonte: saibamais.jor.br

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