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O Evangelho da Revolução, de François-Xavier Drouet

Por Rômulo Sckaff

O Evangelho da Revolução é um filme necessário. O diretor constrói um amplo painel histórico e político da América Latina a partir de uma chave pouco explorada pelo cinema documental contemporâneo: a ideia de uma revolução cristã inspirada na mensagem de Jesus Cristo e apropriada por movimentos populares, catequistas, padres, freiras e leigos engajados nas lutas sociais do continente. Ao situar a América como um verdadeiro palco de confrontos entre fé, poder e emancipação, o filme reafirma que, longe de ser “ópio do povo”, o cristianismo latino-americano foi, em muitos momentos, motor de resistência, organização popular e enfrentamento direto às ditaduras, às oligarquias e ao imperialismo.

O documentário é particularmente forte ao retratar a barbárie vivida em El Salvador, a perseguição sistemática aos catequistas e agentes pastorais pela extrema direita e o martírio de religiosos comprometidos com os pobres. O filme também contextualiza o conflito envolvendo Leonardo Boff e a hierarquia da Igreja Católica, evidenciando o cerco institucional à Teologia da Libertação. Na Nicarágua, Drouet alcança um de seus pontos mais potentes ao mostrar a relação orgânica entre cristianismo popular e Revolução Sandinista, bem como a posterior perseguição aos ideais que ajudaram a levar o sandinismo ao poder. O ápice simbólico do filme talvez seja a visita raivosa de João Paulo II a Manágua, imagem emblemática da opção clara da Igreja institucional por uma política de distanciamento e muitas vezes de oposição aberta a chamada “opção preferencial pelos pobres”. O percurso se amplia ainda ao abordar o México e a luta dos novos zapatistas, reafirmando a persistência de uma fé insurgente no fim século XX.

No entanto, quando o filme chega ao Brasil, revela uma lacuna significativa. A pesquisa sobre a realidade brasileira é frágil e deixa de fora elementos centrais para compreender a derrota histórica da Teologia da Libertação no país. O documentário não aprofunda o papel decisivo dos movimentos eclesiais de base, ignora o avanço estratégico do movimento carismático e da teologia da prosperidade e silencia sobre organizações como a TFP, símbolo maior da reação conservadora católica contra os pobres e os movimentos populares. Ao atribuir de forma quase genética aos Estados Unidos o papel de grande inimigo, o filme deixa de refletir sobre as dinâmicas internas, religiosas e culturais que foram determinantes no Brasil. Ainda assim, a obra se sustenta pela força do material de arquivo, pela boa edição e pela capacidade de articular imagens históricas em uma narrativa clara, ainda que a voz do diretor, em um “portunhol francês”, pudesse assumir um papel mais analítico e menos dependente do acúmulo imagético.

Apesar dessas limitações, O Evangelho da Revolução é um filme necessário, repleto de história e de memória das Américas. Mesmo realizado por um europeu, o documentário contribui de forma decisiva para recolocar no centro do debate a relação entre fé, política e emancipação social no continente. Fica a inquietação, a falha na abordagem do Brasil é apenas um caso isolado ou reflete, em alguma medida, lacunas semelhantes nos outros países retratados? Ainda assim, trata-se de uma obra que provoca, incomoda e convida à reflexão crítica, exatamente o que se espera de um cinema comprometido com a história e com os vencidos

Fonte: saibamais.jor.br

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