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os olhos tristes na arte de Assis Marinho 

Os costumes do Seridó, a arte circense, as várias faces de Jesus Cristo. A arte de Assis Marinho traz em seu traço uma carga de sentimentos cuja linha de pensamento nos leva a um universo particular traçado pelas mãos de um artista marcado pela tragédia. 

Um dos temas retratados pelo artista é a vida dos retirantes, uma experiência vivida por ele e a família, que saiu na década de 1970 de Cubati, na Paraíba, a pé junto à família, com destino a São João do Sabugi, no interior do Rio Grande do Norte, em busca de melhores condições de vida.  

Amigo de Assis Marinho há 50 anos, o produtor cultural Ramos, proprietário do Sebo Balalaika, conta como o traço artístico do amigo já era reconhecido desde a infância: 

Conheci Assis Marinho na Praça Gentil Ferreira, no Alecrim, aos 14 anos. Ele tinha um espírito meio cigano de vender e comprar. Ele vendia e trocava relógios e cordões de ouro e prata, andava com o braço cheio de relógios e o pescoço de cordões. Fomos vizinhos em vários bairros. Aos poucos fui levantando a história de vida dele com a mãe, dona Luzia”, relata. 

O pai de Assi Marinho, Alfredo, era santeiro. Esculpia santos e pintava para vender na feira de Caicó e São João de Sabugi. 

Muito cedo, aos cinco anos, Assis começou a desenhar os santos que o pai fazia. Como a família passava muita necessidade porque o pai era alcóolatra e voltava com muita pouca comida para casa, pois bebia tudo que conseguia, Assis com oito anos de idade fugiu para Caicó, onde ficou como menino de rua. Uma história interessante é que ele entrou no mercado maltrapilho, descalço e pegou um lápis e um papel que alguém deu e começou a desenhar uma mulher muito bonita e elegante que estava no Mercado e mostrou a ela. A mulher era a esposa do tabelião da cidade, que ficou encantada com o desenho, lhe deu comida, roupa e se comprometeu em lhe deixar de volta a São João do Sabugi”, conta. 

Assis Marinho com o amigo Ramos, do Sebo Balalaika I Foto: acervo pessoal

A mãe até foi para Caicó buscá-lo, mas o menino se recusou a voltar para casa:

Ele sabia que ia voltar a passar as mesmas necessidades de antes. Porém, a esposa do tabelião se comprometeu a ajudar. Mas, quando a mãe subiu no ônibus para voltar para casa, ele desceu e fugiu. No fim, a esposa do tabelião foi deixá-lo em São João do Sabugi e ficou mandando ajuda, mas nunca era suficiente. Alguns anos depois ele fugiu de casa novamente, dessa vez, para Natal. Chegou a ser acolhido por uma família da Rua Mossoró, mas depois partiu para a rua. Ficou nas imediações do Farol Bar, onde era flanelinha, mas sempre desenhando. Também passou um ano interno na Febem, morou com um irmão em São Paulo, passou outro tempo na rua, na Praça da República, e começou a ganhar dinheiro como retratista. De volta a Natal, casou com Rosélia, com quem teve dois filhos: Abel e Rudá”, relata Ramos. 

Morte do filho marcou vida pessoal e artística de Assis Marinho

A tragédia que marcou a vida do artista Assis Marinho ocorreu em 1990, quando ele ia dirigindo de Caicó para São João do Sabugi com Rudá, o filho mais velho. À certa altura da estrada, perdeu o controle do carro:

Sem saber dirigir bem, ele perdeu o controle numa curva, o carro virou e Rudá morreu. Assis ficou muito louco nesse tempo, mas fisicamente não teve nada. O menino deveria ter oito anos nesse período. Ele voltou muito desequilibrado, lógico, a mulher, muito magoada, pegou o outro filho e foi morar no Rio Grande do Sul, onde está até hoje. Assis passou a ficar muito desolado e só, contando apenas com a presença dos amigos como eu, Jácio, Vera, Chico Miséria…”, lamenta o amigo Ramos. 

Assis Marinho, durante trabalho I Foto: acervo pessoal

Freira foi professora de pintura

Mas, antes disso, Assis Marinho viveu um momento primordial. Quando voltou de São Paulo, antes de se casar, tinha uma freira, Irmã Miriam, que era uma excelente professora de artes e artista plástica. Ela ensinou ele a usar o giz de cera e as técnicas de aquarela e tinta a óleo, isso na arte da pintura porque a arte do desenho ele já tinha intuitivamente desde criança. Essa freira o levava para lecionar pintura, enquanto ele já lecionava desenho no Colégio das Neves e, após isso, ele casou e aconteceu aquela tragédia. Desde então, só teve alguns momentos sóbrios e fez excelentes trabalhos e exposições. Era amigo de Dorian Gray, Newton Navarro, Thomé Filgueira… de todos os artistas de Natal”, relembra Ramos. 

Desde o acidente, entre a lucidez e o entorpecimento, Assis Marinho já passou por mais de dez internações. Atualmente, está em mais uma tentativa de recuperação. Ele tem uma exposição programada para o mês de fevereiro. 

Tem trabalhos no Senado Federal, no Campus da UFRN em Caicó – que precisa passar por restauração. Na Igreja do Rio do Fogo, Assis Marinho também tem painel que precisa de restauração. Mas sem previsão de restauro por causa das condições de saúde do artista. 

Pesquisadora destaca pintura de Assis Marinho no Seridó

Muitas das informações da vida de Assis Marinho passada por Ramos também estão presentes na dissertação de mestrado de Ilka Pimenta “Um Traço Sobre o Ser(tão): Pinturas de Iran Dantas, Assis Marinho e Assis Costa entre as décadas de 1980 a 2000”. A pesquisa, defendida em 2016 na UFRN, faz um comparativo entre os artistas plásticos e suas características. 

Ilka conta que Assis Marinho, ao longo de sua obra, vai relatar as cenas do cotidiano do Seridó. As paisagens, a vivência cultural, o sertão, as brincadeiras de infância, os namoros vigiados, os pássaros nas gaiolas, as festas, os forrós dentro do interior das casas, assim como os banhos de açude ganham vida nos traços do artista. 

É o cotidiano retratado de uma forma muito poética com um traço moderno, que vai caracterizar o trabalho dele. Um traço que não tem como não ser reconhecido como de Assis Marinho, essa pincelada muito aquarelada. Ele usa mais pastel e faz poucas pinturas a óleo, usa mais papel do que telas”, esclarece a pesquisadora. 

Tristeza da vida presente na obra

Mas, mesmo nas cenas mais festivas, é possível perceber traços de tristeza nos olhos dos personagens retratados por Assis:

“Ele carrega essa dor nos olhos dos personagens. Mesmo quando você vê um forró, os personagens estão com olhos tristes, lacrimejados. Ele retrata o mundo circense, os palhaços, a arte sacra com Jesus Cristo e São Francisco. Ele busca um reconhecimento, como todo artista, mas acho que foi sendo sucumbido de certa forma pela dependência”, explica Ilka Pimenta. 

Por causa dos problemas pessoais do artista, a pesquisadora avalia que a obra de Assis sofreu uma paralisação estética:

Ilka Pimenta I Foto: acervo pessoal

Ele repete os mesmos temas ao longo da existência artística dele e isso vai criar os estereótipos do Nordeste, reforçar o Nordeste da seca, da precariedade. Mas, a arte dele também leva luz para outras dimensões, há uma visão poética e artística que tem que ser considerada”, pontua. 

Reflexo de uma cultura marcada pelo catolicismo, Assis Marinho retrata com frequência as figuras de Jesus e Maria. 

Independentemente de ter crença, a religiosidade do sertão do Seridó é muito marcante. Além disso, tem a tradição artística universal ocidental de se retratar as figuras clássicas de Jesus e Maria é uma tradição clássica na qual todos os artistas vão beber”, explica Ilka. 

O tema do retirante também é muito forte na obra de Assis Marinho, certamente, devido ao fato dele ter passado por isso. 

“E, também, porque ele bebeu nos referenciais estéticos de Portinari, na tradição estética modernista dos retirantes. Tem essa dupla influência”, acrescenta a pesquisadora. 

A obra de Assis Marinho está dentro do que os críticos chamam de Expressionismo, tanto de influência europeia, como brasileira:

Mas ele tem um traço muito próprio, carrega uma característica muito própria de um traço mais livre. Ele não tem preocupação com o clássico, em retratar a figura do jeito que ela é, beira quase o naif, mas não é naif porque tem um pouco de perspectiva, de recursos técnicos, como luz e sombra”, detalha Ilka Pimenta. 

Atualmente, a irmã de Assis Marinho é a guardiã das obras dele. Amigos e admiradores aguardam, agora, a recuperação do artista para que ele participe de uma exposição marcada para fevereiro. 

Assis Marinho. Sem título, crayon s/ papel. S/D.
Fonte:

Fonte: saibamais.jor.br

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