À minha família.
Segundo sua sobrinha, esta foi a analogia mais próxima do que se passava com sua tia que atravessava uma crise de depressão:
– Teté (era assim que a sobrinha chamava sua tia), é assim que sua mente está funcionando: como se fosse uma autoestrada. E a cena que eu vejo a partir do que conversamos é você sentada, à margem de uma autoestrada em horário de pico, inerte, segurando os joelhos, olhando pra frente, vendo os carros e caminhões e motos e carretas e ônibus indo e vindo indo e vindo indo e vindo em alta velocidade.
– É isso que você vê, mas não consegue distinguir nada, nem cores dos veículos, nem seus motoristas, nem suas cargas… Eles só passam velozmente e você, no seu isolamento e na sua inércia, sem saber como atravessar pro outro lado, dobra-se sobre si, como feto e chora.
– Você está lá, mas não sabe onde é nem o porquê de estar ali, não sabe por que não se mexe nem que destino tomar, olha pra tudo, mas não vê nada. Você chora porque se desespera diante da sua paralisia e do volume imenso e veloz de imagens e sons e cores e dúvidas… Trezentas abas abertas e você não consegue se concentrar em nenhuma, todas se embaralham diante de você. E acha que está enlouquecendo, enfim…
– Sei que há momentos em que a autoestrada interrompe seu fluxo, e diante de você só fica um vazio, uma estrada sem começo nem fim, sem placas, sem sinalizações, só vento e poeira, o céu, o sol, as nuvens, o entardecer, a escuridão, as estrelas, a lua, mas não há luz que te conduza a lugar algum, não há viv’alma a quem pedir socorro e você não se mexe, apenas se encolhe à beira da autoestrada como um feto e chora.
– Chora porque você não sabe, não entende, não vê nexo em estar sentindo essa dor profunda, essa melancolia corrosiva, essa tristeza que perfura seu peito, esse sofrimento que não tem rosto, não tem motivo par ser nem estar.
– Chora porque você perdeu as rédeas dos seus pensamentos, dos seus sentimentos. Você não tem mais controle sobre si e isso é desesperador, imagino.
– Mas saiba que nós te amamos, que você tem suporte, que ninguém vai te julgar porque você está assim. Estaremos aqui como apoio. Seremos seu toque no ombro, seu abraço apertado, seu copo d’água geladinho.
– Seremos ouvidos para escutar seus desabafos e suas falas desconexas que misturam tantos fatos e cenas e dores e episódios e saberes e dúvidas num emaranhado rizomático, num ritmo de autoestrada em horário de pico…
– Também respeitaremos seus silêncios, sua autoestrada vazia e seu isolamento, sua voz calada, sua lágrima sem som, seu olhar perdido, seu medo em forma de tremor e falta de ar, seu medo de gente, seu encapsulamento fetal.
– Mas não esqueça, se você, no meio dessa crise, ou de qualquer outra, conseguir virar a cabeça pra um dos seus lados, você verá que não estará sozinha na beira da autoestrada, nós também estaremos lá: numa barraquinha discretamente construída, dessas que se mimetizam na paisagem, com água, castanhas de caju e frutas. Estaremos em estado de alerta, observando seu processo. Não precisa vir até nós, só acene… Já estamos aqui!!!
Fonte: saibamais.jor.br




