Por Geraldo Barboza de Oliveira Junior
Do quadro negro ou verde com o uso do giz, passando pelos quadros brancos com canetas especiais, as escolas públicas do Rio Grande do Norte ganharam, nos últimos anos, companheiros de peso: câmeras de celular, tripés improvisados e softwares de edição. O que antes era visto apenas como entretenimento, hoje ocupa um lugar central no processo de ensino-aprendizagem. A expansão do espaço do audiovisual na rede pública estadual está redesenhando as fronteiras entre a sala de aula e a comunidade, impulsionada por iniciativas que celebram o talento e a voz dos jovens potiguares.
Neste cenário de efervescência criativa, a Mostra de Cinema de São Miguel do Gostoso, o festival de Baía Formosa e o Prêmio Carcará de Audiovisual emergem como grandes catalisadores dessa transformação. Em especial, o Carcará tornou-se um marco mobilizador ao incentivar estudantes e professores a transformarem realidades locais em narrativas cinematográficas. Essa revolução pedagógica não ocorre isolada, mas dialoga com o cenário profissional do estado, que se consolidou como polo cinematográfico nacional com obras como Bacurau e a série Cangaço Novo.
A presença do audiovisual nas escolas vai além da simples exibição de filmes; trata-se de uma verdadeira “alfabetização midiática”, onde o aluno deixa de ser um espectador passivo para se tornar um produtor de conteúdo crítico e consciente. Os resultados práticos dessa metodologia ficaram evidentes durante a Mostra em 2025, que percorreu diversos municípios, incluindo Natal, Nísia Floresta, Arez, Lagoa Nova, Currais Novos, Assu e João Câmara. Através desse circuito, centenas de crianças, adolescentes e jovens tiveram acesso democrático aos bens culturais e ao vasto Patrimônio Cultural do Rio Grande do Norte.
O impacto pedagógico é profundo, com diversas escolas incorporando e estimulando o uso do audiovisual para o desenvolvimento de processos educativos e culturais. Professores de variadas disciplinas utilizam a produção de curtas para fixar conteúdos e estimular o pensamento reflexivo. Para a coordenação do projeto, o processo de criação de narrativas audiovisuais com o celular tem gerado impactos positivos em múltiplas frentes. Os estudantes desenvolvem novas aprendizagens e habilidades técnicas, como pesquisa, criação de roteiro, captação e edição de imagens, competências essenciais no século XXI.
Além do ganho técnico, essas atividades geram um interesse renovado dos alunos pelo ambiente escolar e pelo próprio processo de aprendizagem. O projeto permite um envolvimento mais orgânico de alunos e professores com a realidade local e com as manifestações de suas comunidades, preservando a memória e as subjetividades regionais. Educadores destacam ainda que a metodologia estimula o trabalho em equipe e a aprendizagem coletiva, transformando o celular — antes visto como distração — em um poderoso instrumento de voz e emancipação.
Um dos momentos mais gratificantes do projeto ocorre nas sessões de exibição, onde os alunos sentem a satisfação de ver suas produções na tela, despertando um interesse que ultrapassa os limites da sala de aula. Outra grande conquista é a metodologia das rodas de conversa, que tem sido fundamental para o desenvolvimento da oralidade, do pensamento crítico e do protagonismo dos estudantes.
A sustentação acadêmica desse movimento vem de instituições como a UFRN, a UERN e o IFRN. O Campus Natal-Cidade Alta do IFRN, por exemplo, é peça-chave na formação técnica, enquanto a Cinemateca Potiguar funciona como um museu vivo para escolas, preservando a história da imagem no estado. Projetos governamentais como o “Alumiar” também reforçam essa estrutura, levando o cinema para dentro das escolas estaduais não apenas como lazer, mas como uma ferramenta pedagógica estruturada para debater identidade e questões sociais.
Apesar dos avanços, a expansão do audiovisual escolar ainda enfrenta desafios, como a necessidade de melhor infraestrutura tecnológica e formação contínua para os educadores. No entanto, o sucesso crescente da “Geração Carcará” prova que o talento potiguar não carece de grandes orçamentos, mas de oportunidades e espaços de escoamento. O cinema feito na escola tem se mostrado uma ferramenta poderosa de emancipação, transformando o celular, muitas vezes visto como distração, em um instrumento de voz e mudança social.
O diferencial do Rio Grande do Norte reside na sua capacidade de interiorização. Graças à capilaridade dos institutos federais e universidades, além de projetos itinerantes como o Cine Sertão, a linguagem do vídeo tem chegado fortemente à região salineira e ao Oeste potiguar. Essa descentralização garante que a produção audiovisual não fique restrita à capital, permitindo que diferentes Brasis contidos dentro do RN sejam narrados por quem neles vive, transformando a sala de aula em um verdadeiro estúdio de criação.
Em suma, o estado caminha para se tornar uma referência nacional em educomunicação. Com o apoio de políticas públicas e a continuidade de festivais mobilizadores, o protagonismo agora pertence ao estudante. No telão da educação potiguar, o filme que se projeta é o de uma juventude conectada com suas raízes, mas equipada com as ferramentas da modernidade para contar suas próprias histórias e desenhar seu futuro.
¹ Antropólogo, doutorando em Desenvolvimento e Meio Ambiente, professor, pesquisador e escritor.
Fonte: saibamais.jor.br




