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Pernambucano mantém viva, em Natal, tradição da azulejaria

Os cientistas, filósofos e poetas já escreveram muitas coisas sobre o tempo. Isaac Newton defendeu que o tempo é uma entidade absoluta, uniforme e linear. Albert Einstein afirmou que o tempo é relativo, inseparável do espaço e pode ser afetado pela gravidade. Já para o grego Aristóteles, o tempo depende de uma sucessão de eventos que só são percebidos porque a “alma” pode distinguir um “agora” de outro nessa eterna sequência de “antes” e “depois”.

Em “Oração ao Tempo”, destaque do álbum “Cinema Transcendental”, lançado em 1979, Caetano Veloso, entre outros adjetivos, definiu o objeto da sua prece como um “compositor de destinos”, “tambor de todos os ritmos” e “um dos deuses mais lindos”.

Foto: Alisson Almeida

Alheio às discussões científicas, filosóficas e existencialistas, o pernambucano José Carlos Ferreira, 67 anos, vê o tempo passar sem pressa entre as peças de azulejos artesanais que comercializa na pequena loja que abriu há cerca de três décadas na Rua dos Canindés, a antiga Avenida 6, no bairro do Alecrim, quando mudou-se de Recife para Natal.

Depois que o vídeo de um perfil especializado em arquitetura viralizou nas redes sociais, o movimento aumentou bastante na Casa dos Azulejos, o que passou a preocupar José Carlos.

“Você pode achar o contrário, mas meu problema é o movimento. Eu não tenho estrutura, não quero contratar ninguém pra trabalhar, quero manter desse tamanho”, diz ele, referindo-se à pequena loja que abre de segunda a sexta, das 8h às 16h, no agitado bairro comercial natalense, mas que passa quase despercebida para os sempre apressados transeuntes.

Foto: Alisson Almeida

José Carlos afirma que não mantém a loja aberta por necessidade, mas sim porque gosta de trabalhar, além do desejo de preservar a tradição dos azulejos “fora de linha”, como diz a inscrição no quadro com peças de diferentes origens que ele montou do lado de fora do lugar.

Esse quadro tem 30 anos, fiz ele para chamar atenção para a loja”, conta, revelando que o mural, além das tradicionais peças Brennand – as mais caras à venda –, também possui azulejos portugueses.

“Eu pego minha moto, venho aqui e trabalho. A minha moto também é antiga, olha ela ali”, diz, apontando para a sua Royal Enfield – marca centenária de motocicletas, famosa por seus modelos de design retrô –, estacionada na calçada da Casa dos Azulejos.

Herança portuguesa

Filho de pai português, José Carlos explica que vem daí o seu gosto pelas antigas plaquetas cerâmicas usadas para decorar paredes, chãos e outros ambientes, levando um pouco de alegria, cores e formas para onde antes só havia um espaço vazio pedindo para ser preenchido de vida.

Eu gosto de azulejo porque sou filho de português, tenho nacionalidade portuguesa, agora mesmo passei dois meses e meio lá”, conta, dizendo que trouxe consigo várias peças das Terras Lusitanas.

Quando abriu a loja em Natal, José Carlos vendia cerâmica em grande quantidade. O filho, à época com 18 anos de idade, trabalhava com ele, mas depois foi estudar e se formou em engenharia.

“Ele deixou de trabalhar comigo, aí também vieram essas lojas grandes de cerâmica, decidi continuar só com os azulejos, fui adquirindo aos poucos. Gosto da tradição, não quero outra coisa”, diz, orgulhoso de preservar a arte da azulejaria, que atrai de encanadores a arquitetos.

Foto: Alisson Almeida

Ele recusa a alcunha de “resistente” garantindo que mantém o negócio mais pelo “hobby”, mas se entrega ao falar com carinho das centenas de peças empilhadas nas prateleiras da sua loja, como se cada uma delas fosse uma parte de um quebra-cabeça que conta um pedaço de uma história que não pode ser apagada.

“Ninguém produz mais esses azulejos decorados, há mais de 30 anos que não se faz mais deles”, sublinha, referindo-se aos seus preciosos modelos com uma reverência que não se dedica a um ofício qualquer.

O valor da memória

Foto: Alisson Almeida

Para ele, por mais que sua modéstia não lhe permita admitir, a charmosa Casa dos Azulejos, além de uma loja que comercializa modelos antigos de peças decorativas em pequenas quantidades, é um corpo vivo que aponta para o valor da memória.

José Carlos, imitando seu conterrâneo Lenine nos versos de “Paciência”, parece se recusar a aceitar que “o tempo acelera e pede pressa”. Ele insiste em ir na contramão da nossa modernidade efêmera, como se fizesse hora e fosse na valsa.

“A minha história é essa, eu já trabalho com isso há muitos anos e quero continuar assim”, arremata, quase como se se insurgisse contra o tempo na tentativa de eternizar histórias, lembranças e a essência de momentos que transcendem a linearidade de uma existência medida apenas pelos ponteiros de um relógio.

Fonte: saibamais.jor.br

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