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Na Câmara, famílias denunciam ordens de despejo em Natal

A Câmara Municipal de Natal realizou, na última sexta-feira (28), uma audiência pública para discutir o tema “Despejo Zero e processos de remoções na capital”. O encontro reuniu representantes de movimentos sociais, órgãos públicos, pesquisadores e moradores afetados por despejos recentes. 

A audiência foi proposta pelo vereador Daniel Valença (PT). Vanilson Torres, do Movimento Nacional da População em Situação de Rua (MNPR), falou sobre as remoções de pessoas que vivem na região do Viaduto do Baldo, na Zona Leste de Natal. Segundo ele, o abrigo 24h e o albergue noturno oferecidos pela Prefeitura têm vagas insuficientes para comportar a demanda. 

“A questão era que iriam construir uma praça [no Baldo], até construíram. Mas quais foram as iniciativas ou locais que essa população teve de garantias para não ficar nas ruas? Nenhuma. Nós temos um aumento da população em situação de rua no Brasil. Natal não é diferente”, afirmou.

De 2020 a agosto deste ano, o Rio Grande do Norte teve 1.949 famílias sob ameaça de despejo, e outras 738 famílias efetivamente despejadas. Os números fazem parte de um levantamento da Campanha Despejo Zero, divulgado em setembro. Em todo o Brasil, no mesmo período, foram contabilizadas 2.098.948 milhões de pessoas afetadas por despejos e remoções forçadas.

Foto: Francisco de Assis

“Em um país que tem 11 milhões de imóveis, inacreditavelmente é impossível resolver um déficit habitacional de 8 milhões. E aqui na cidade de Natal, em 2019, era 35 mil, mais ou menos, e em menos de 4 anos, cresceu em mais de 10 mil esse déficit habitacional, também fruto dessa pandemia e desse descaso da Prefeitura, principalmente, em resolver os problemas do povo”, denunciou Bianca Soares, da direção do Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB).

O MLB não é a única organização sem teto que atua em Natal. O Movimento de Luta por Moradia Popular (MLMP) possui sete ocupações na cidade com 740 famílias, nas contas do dirigente do grupo, Wellington Bernardo.

“Quando o movimento ocupa uma área, na sua grande maioria essa ocupação se dá em áreas que não vêm cumprindo a sua função social. E o papel do movimento é exatamente esse, é cobrar do poder público que se tenha ali uma solução para aquela área, e de imediato, independente se ela é pública ou privada, na sua grande maioria, o juiz determina o despejo. Sempre foi assim”, criticou.

Bernardo ilustrou. Em 2018, o MLMP organizou a Ocupação Olga Benário em um terreno de uma empresa privada no bairro do Planalto, na Zona Oeste. O juiz ordenou a saída, mas também determinou, segundo Wellington Bernardo, que o proprietário não poderia construir nada lá.

“Como assim, se o terreno é seu? Porque, na verdade, o próprio proprietário não conseguiu provar a totalidade da área. Mesmo assim, o Tribunal de Justiça deu uma decisão favorável para que aquelas famílias fossem despejadas daquela área. E nós conseguimos ocupar uma outra área, num terreno público, lá no bairro do Planalto”, explicou.

Dulce Bentes, professora do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da UFRN, explicou que os despejos acontecem quando há remoção involuntária de indivíduos, famílias ou comunidades de suas casas ou terras, sem a devida garantia de proteção legal e social.

De acordo com a docente, os elementos centrais dos despejos são:

– É involuntário – as pessoas não concordam com a remoção;

– Acontece sem garantias legais adequadas – falta ordem judicial legítima, notificação prévia ou possibilidade de defesa;

– Sem alternativas dignas – não há realocação, compensação ou acesso a outra moradia adequada;

– Pode envolver violência física, psicológica ou institucional.

Segundo a professora, as realocações também precisam compreender as dinâmicas sociais e de trabalho das famílias — ou seja, evitar transferir uma família para muito longe de onde vivia.

“Como é que ela [a família] vai aceitar sair de uma moradia que está precária, mas para uma distância que ela não tem como pagar o transporte, que ela se desterritorializa, ela sai do seu contexto que ela construiu ao longo do tempo?!. Então, essa habitação adequada não é só a edificação ser digna nos seus aspectos construtivos. Ela tem que, também, ter uma inserção urbana, ter uma localização na cidade que a pessoa possibilite viver e trabalhar, sobretudo”, apontou.

O vereador Daniel Valença ressaltou que o debate se apoia nos avanços trazidos pelo Estatuto da Cidade, que consolidou a função social da propriedade e fortaleceu mecanismos de mediação. Para ele, as remoções precisam respeitar direitos básicos e garantir participação popular nas decisões de planejamento urbano.

Pressão psicológica

Dona Gorete vive há pelo menos 13 anos no mesmo local, onde também trabalha, na Redinha Nova, Zona Norte da capital. Neste período, diz que nunca recebeu assistência de ninguém. Mas, nos últimos tempos, afirma que sofre pressão psicológica para que saia da sua moradia.

Gorete mora na Redinha Nova, Zona Norte – Foto: Francisco de Assis

“Agora nesse período que deu de maré alta, apareceu gente por lá, mas não para querer ajudar a gente. Eles querem tirar o que a gente tem. Eles querem simplesmente derrubar tudo, sem dar direito a gente de moradia, sem querer dar direito a gente de uma indenização. E fica aquela pressão psicológica na gente, que se a gente não sair, a gente tem que pagar uma multa de 20 mil. Da onde a gente vai tirar 20 mil para pagar de multa? Bem, lá a gente nunca foi visado por ninguém. A gente lá era esquecido. Ninguém sabia que a gente estava lá. Mas a gente estava. Na pandemia a gente estava lá. Trabalhando, batalhando, pelo pão de cada dia. Ninguém foi lá visitar a gente”, contou na audiência pública.

As ações de remoção também atingem o morador identificado como Adriano, representante da comunidade vítima de remoção na comunidade África, também na Redinha. Em 1º de abril deste ano, a Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo (Semurb) desocupou uma área pública onde viviam algumas famílias, inclusive a de Adriano. 

A operação foi desencadeada após o recebimento de denúncias sobre uma invasão de uma área que seria usada para o projeto de Regularização Fundiária Urbana (Reurb) pelo município. De acordo com o morador, a ação aconteceu “sem nenhum aviso prévio” e “e sem saber para onde iam botar ninguém”. Ele disse que até uma hortaliça que era cultivada no espaço foi retirada. 

“Simplesmente passaram as máquinas nas hortaliças, arrancaram tudo, o maior desperdício que teve. Deixaram sem o pão de cada dia e sem a moradia. Isso sem saber o que iam colocar alguém. Mas tá lá, passaram o trator. Se hoje for lá no bairro da Redinha, onde tinham as habitações, o mato ‘tomou de conta’. A maior sujeira que tá lá, e sem fazer nada com o terreno”, conta.

Representando a Secretaria Municipal de Habitação, Regularização Fundiária e Projetos Estruturantes (SEHARPE), Violeta Quevedo, diretora do Departamento de Ação Social, explicou os desafios estruturais da política habitacional em Natal.

Segundo ela, a construção de novas unidades depende de editais e normativas federais, estaduais e municipais, além de análises ambientais, fundiárias, sociais e arquitetônicas.

“É um processo longo e complexo. De 47 projetos apresentados, apenas dois seguem atualmente aptos a prosseguir. E temos um banco de cerca de 100 mil famílias cadastradas”, destacou.

Violeta também lembrou que há aproximadamente 70 ocupações em situação de vulnerabilidade na cidade.

“É um desafio diário fazer cumprir a política de habitação. Muitas vezes levamos meses apenas para regularizar a documentação das famílias mais carentes”, disse.

Fonte: saibamais.jor.br

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