Com menos de um ano desde a inauguração, a engorda da praia de Ponta Negra, em Natal, já demonstra fragilidades, com o mar se aproximando da base do Morro do Careca e com a areia sendo levada até a região da Via Costeira.
As informações são de Venerando Eustáquio, professor de Engenharia Civil e Ambiental da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte) e coordenador do Laboratório de Geotecnologias Aplicadas Modelagem Costeira e Oceânica (GNOMO).
“Já temos evidências de que a areia do aterro de Ponta Negra já está sendo carreada e alcançando as praias da Via Costeira”, aponta o docente.
Segundo ele, os dados foram constatados em campo.
“Com base nos dados do Transporte Longitudinal de Sedimentos já tínhamos a evidência de que o principal deslocamento é para Norte e com altos volumes”, explica.
Neste final de semana, a engorda voltou a chamar atenção. Imagens gravadas com drone, feitas pela aerofotógrafa Carla Belke no domingo (7), mostram a água chegando próxima ao Morro, numa distância que, logo após o término da engorda, não era atingida. A situação, contudo, não é nova. Em outubro, o mar avançou sobre a área da engorda da praia de Ponta Negra e derrubou até a cerca que isolava o Morro do Careca.
Venerando Eustáquio explica que, em obras de engenharia desse porte, se leva um tempo para a área entrar em equilíbrio, não só em relação à colocação do aterro, mas também da ação do mar sobre esse meio esse ambiente, como uma forma de tentar recompor um equilíbrio natural.
O fato é que a obra de Ponta Negra tem vários elementos que apontam que o aterro, naquelas condições como ele foi realizado, pode estar sofrendo uma fragilização desde o momento que ele foi colocado, especificamente naquelas áreas ali que correspondem à base do Morro do Careca em direção à [rua] Erivan França. Em alguns setores ali até a subida da Erivan França, nós temos uma evidência de um acúmulo excessivo de água durante aqueles períodos especificamente de chuvas mais intensas. E também já se mostrou isso mais recentemente também acontecendo em períodos de marés mais altas”, diz o pesquisador.
“Isso demonstra que houve, em algum momento, uma fragilização do aterro, e o mar está conseguindo avançar por alguns setores que foram previamente fragilizados quando a gente permitiu que um volume muito grande de água da chuva chegasse até a praia e encontrasse uma zona de escoamento em direção ao mar”, continua.
Venerando lembra que, poucos meses após a inauguração da engorda, no primeiro semestre do ano, houve um período intenso de chuvas em que se formaram alagamentos e um “rio” na área do aterro.
“Naquele momento, a gente observou uma fragilização muito grande do aterro, porque isso não era para ter acontecido. E os levantamentos que eu andei fazendo depois disso mostraram um volume mais reduzido de areia exatamente nesse setor”, explica.
Segundo o professor da UFRN, também existem outros pontos na praia que já demonstram um princípio severo de fragilização.
“Aparentemente nós devemos ter um aterro um pouco mais longo e com uma outra forma, uma outra estrutura. Mas isso é um assunto que a gente tem que discutir mais detalhadamente com os dados específicos que devem ter sido levantados durante o monitoramento em Ponta Negra. Mas, definitivamente, não era para acontecer nesse momento. E mesmo que acontecesse, a obra deveria estar passando por um processo não só de monitoramento, mas de manutenção também.”
A Agência SAIBA MAIS procurou a Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo (Semurb), que informou que a demanda seria tratada com a Secretaria de Infraestrutura (Seinfra). A pasta da Infraestrutura, por sua vez, informou que está fazendo avaliações técnicas sobre a situação.
“A secretaria vai se pronunciar somente quando dispuser dessas informações”, disse a Seinfra.
A obra da Engorda de Ponta Negra
A engorda da praia de Ponta Negra, que custou cerca de R$ 100 milhões, foi realizada sem acompanhamento de órgãos de fiscalização. Por meio de força judicial, a Prefeitura do Natal conseguiu o Licenciamento de Instalação e Operação (LIO), necessário para início dos trabalhos. Porém, o licenciamento era válido para uma área diferente da que foi explorada na extração da areia da jazida.
Para não ter que pedir nova licença, o então prefeito de Natal, Álvaro Dias (Republicanos), emitiu um decreto de estado de emergência por erosão pelo avanço da maré em setembro de 2024. Com isso, a obra foi realizada sem licenciamento ambiental.
Já em outubro do mesmo ano, a Prefeitura do Natal conseguiu na justiça um mandado de segurança proibindo o Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente do Rio Grande do Norte (Idema) de fiscalizar a obra da engorda.
A obra foi concluída em 25 de janeiro de 2025, mas sem a parte da drenagem finalizada, o que só ocorreu no início de março com o funcionamento dos 16 dissipadores, estruturas utilizadas para reduzir a velocidade da água durante o escoamento.
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Fonte: saibamais.jor.br



