Dos 12 países da América do Sul, seis são governados pela esquerda e, agora, seis pela direita, com a vitória de Jose Antonio Kast no Chile neste último domingo (14). Ele assume a presidência, com 58% dos votos, no lugar de Gabriel Boric, a partir de março de 2026. Apesar da vitória da direita, o cientista social e professor do Instituto de Políticas Públicas da Universidades Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Alan Lacerda, evita falar em onda da direita.
“Sempre haverá exceções, a realidade dos países é muito mais complexa. Tivemos a chamada ‘Onda Rosa’ nos anos 2000 [como ficaram conhecidas as vitórias da esquerda] mas ela nunca é geral, sempre haverá exceções, depende do arco narrativo. Tem havido vitórias de direita, mas não as leria como um giro completo. Muitas dessas vitórias são movidas por questões de segurança pública, que continua sendo o calcanhar de Aquiles da esquerda, mas que não a impede de ganhar em certos contextos, lembremos que o México também levou. O que ocorre é que o número de democracias aumentou”, contextualiza.
“O que ocorria é que no século XX tínhamos ditaduras em vários países, com isso a esquerda não tinha chance de chegar ao poder ou estava engajada na luta armada”, acrescenta.
Jose Antonio Kast é filho de imigrante alemão, que integrava o partido nazista. No plebiscito de 1988, votou a favor da continuidade do ditador Augusto Pinochet por mais dez anos no poder.
“Kast não deve ser radical, mas é um pouco preocupante. Tivemos Milei na Argentina e em outubro as forças dele também ganharam. Na Bolívia a esquerda foi dizimada. No Uruguai houve vitória da esquerda, já no Equador a direita chamou um referendo, mas foi derrotada, a população negou o que eles queriam. A onda da esquerda nos anos 2000 também teve exceção, o PAN [Partido de Ação Nacional] ganhou no México, enfim, também há casos de direita ganhando eleição na ‘Onda Rosa’”, ressalta Lacerda.
No panorama atual, são governados pela esquerda a Colômbia, de Gustavo Petro; a Venezuela, por Nicolás Maduro; a Guiana, de Irfaan Ali; o Suriname, por Jennifer Simons; e o Brasil, pelo residente Lula; e o Uruguai, de Yamandú Orsi.
Já no espectro da direita estão o Equador, de Daniel Noboa; o Peru, de José Neri; a Bolívia, de Rodrigo Paz; o Paraguai, de Santiago Peña; a Argentina, de Javier Milei; e o Chile, de José Antonio Kast.
“A vitória de Kast no Chile confirma que a América Latina continua um território em disputa. Enquanto vemos avanços reais na vida do povo quando a esquerda governa, como é o caso de Sheinbaum no México e Lula no Brasil, assistimos o desastre que governos entreguistas de direita provocam no país como foi Bolsonaro no Brasil e agora, Milei na Argentina. Por outro lado, o governo Boric, ao não mudar as condições concretas de vida do povo, ao optar por um caminho de esquerda moderada e que não toca nas raízes da desigualdade profunda da sociedade chilena, desperdiçou mais uma chance histórica para o povo chileno. Acredito que fica de alerta para a esquerda brasileira e para o PT quanto aos desafios do próximo período. Fim da escala 6×1, tarifa zero, reforma agrária e urbana, pautas que mudam as condições de vida do povo têm de ser colocadas na mesa e serão conquistadas com muita mobilização e organização popular”, avalia o vereador Daniel Valença (PT).
A avaliação do vereador natalense é semelhante ao do cientista político Alan Lacerda, para quem o peso das desigualdades sociais está entre os fatores mais relevantes na hora do voto.
“A direita tem vantagens como o contato com o mundo empresarial, mas a esquerda tem a questão das desigualdades sociais, apesar de dizerem que há uma ‘nova direita’ reagindo. Bolsonaro foi interpretado como nova onda de direita, mas perdeu na reeleição. Não há onda, se tem algum governo de direita em algum local, é porque o voto é livre. No Equador tentou-se um referendo, mas o governo foi derrotado”, esclarece Lacerda.
Para quem observa os caminhos políticos por dentro dos movimentos, o risco com a vitória da direita é a perda de direitos e proteções sociais, além dos ataques às minorias.
“Não podemos ignorar o avanço de discursos que buscam desmantelar o Estado Social e os direitos humanos fundamentais. A direita, ao vencer, coloca imediatamente em risco as minorias e a população mais vulneráveis. A vitória conservadora no Chile significa um risco palpável para a população trans e para as pessoas com deficiência de lá. São os primeiros grupos a sofrerem com o corte de políticas públicas, o desrespeito legal e a legitimação do ódio. O direito à identidade, ao acesso à saúde e à inclusão são atacados quando o projeto político é pautado no conservadorismo e na exclusão”, alerta a vereadora Thabatta Pimenta (Psol).
“A situação do Brasil, apesar de termos um governo de esquerda no executivo, é permanentemente frágil, pois enfrentamos um Congresso Nacional majoritariamente conservador. A força da direita na cúpula legislativa é o que nos impede de avançar em pautas cruciais, como a Reforma Administrativa e projetos de moradia e inclusão social. Não basta vencer nas ruas. A unidade que demonstramos nas manifestações e na defesa da democracia quando o povo brasileiro vai às ruas em uma só voz precisa, urgentemente, ser transportada para a política eleitoral”, acrescenta Pimenta.
“A eleição no Chile foi duríssima. Jeannette Jara conseguiu chegar ao segundo turno, o que por si só já demonstra a força de um campo popular que resistiu, mas a possibilidade de derrota era concreta diante do cenário político e social do país. Segurança pública e migração foram temas centrais que mobilizaram o eleitorado. A extrema direita construiu sua campanha explorando o medo, defendendo o endurecimento penal, políticas migratórias excludentes e uma agenda econômica liberal que retira direitos, enquanto a esquerda enfrentou dificuldades de unidade e um quadro de fragmentação. Quando a esquerda perde uma eleição, precisa fazer avaliação política, reconhecer limites, corrigir rumos e seguir lutando contra agendas anti-povo. O que não fazemos, nunca, é questionar as urnas ou a democracia“, avalia Samanda Alves, vereadora do PT por Natal.
Apesar das tensões e cálculo de cada passo dado, as eleições em outros países da América Latina têm pouco peso eleitoral sobre os rumos da política no Brasil.
“O eleitor não olha para isso. Os partidos até acompanham, mas também não constroem seus planos a partir das eleições nos países vizinhos. O risco maior é de interferência de Washington e governo Donald Trump, mas avalio que até isso diminuiu com a abertura de diálogo com o governo Lula”, arremata Lacerda.
Esquerda
Colômbia: Gustavo Petro
Venezuela: Nicolás Maduro
Guiana: Irfaan Ali
Suriname: Jennifer Simons
Brasil: Lula
Uruguai: Yamandú Orsi
Direita
Equador: Daniel Noboa (eleitor negou tudo que ele pediu)
Peru: José Neri
Bolívia: Rodrigo Paz
Paraguai: Santiago Peña
Argentina: Javier Milei
Chile: José Antonio Kast
Fonte: saibamais.jor.br
