A Justiça Federal determinou que a Prefeitura de São Miguel do Gostoso, no litoral do Rio Grande do Norte, implemente ações efetivas para controlar e fiscalizar a circulação de veículos nas praias do município, sobretudo entre os meses de novembro e junho, período de maior fluxo turístico. A decisão resulta do julgamento parcial de uma ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal (MPF), que apontou omissão do poder público local no cumprimento de suas atribuições legais.
Na sentença, a Justiça confirmou a maior parte das medidas estabelecidas em uma liminar concedida em dezembro do ano passado. De acordo com o MPF, as determinações não vinham sendo executadas pela gestão municipal, apesar dos alertas e das tentativas de solução extrajudicial.
O objetivo central da decisão é garantir a segurança de banhistas, moradores e trabalhadores do setor turístico, além de assegurar a proteção ambiental de uma área considerada sensível. As praias de São Miguel do Gostoso são reconhecidas como locais de desova de tartarugas marinhas, especialmente da tartaruga-de-pente, espécie ameaçada de extinção. A ação foi ajuizada em 2024 pelo procurador da República Felipe Siman, diante dos riscos causados pelo tráfego irregular de veículos na faixa de areia.
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“Inicialmente, o MPF buscou várias formas de solução para o problema, como recomendações e reuniões, contudo o município não solucionou a questão e foi necessário acionar a Justiça Federal”, informou o órgão.
No processo, o MPF argumentou que o município possui competência legal para exercer o poder de polícia de trânsito e ambiental, mas deixou de adotar medidas concretas de fiscalização e ordenamento do uso das praias. A omissão persistiu mesmo após a criação de legislação municipal específica sobre o tema. A ação contou ainda com inspeção judicial e manifestações técnicas de órgãos ambientais, como o Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente do RN (Idema) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), além da atuação de entidades da sociedade civil.
“Em 2025, com o aumento do fluxo turístico, a utilização de veículos para passeios sem regramento adequado continuou sendo uma constante em São Miguel do Gostoso. A decisão da Justiça Federal reconheceu que o município se omitiu ao não implementar políticas públicas eficazes de fiscalização e controle, violando o dever constitucional de proteção ao meio ambiente”, informou o MPF.
A sentença manteve a proibição do tráfego de veículos automotores em toda a faixa litorânea do município, admitindo exceções apenas para veículos de emergência, apoio à pesca artesanal, práticas esportivas previamente autorizadas e transporte de pessoas com mobilidade reduzida, “desde que previamente cadastrados e monitorados”. A prefeitura deverá exercer fiscalização contínua, instalar barreiras físicas, placas de sinalização, câmeras de monitoramento e adotar medidas administrativas para coibir irregularidades.
Entre as obrigações impostas estão ainda a criação de acessos controlados às praias, implantação de bolsões específicos para veículos turísticos autorizados, credenciamento e identificação dos veículos permitidos e a realização de ações educativas voltadas à conscientização ambiental. A Justiça também determinou que o município desenvolva, de forma gradual, uma rota alternativa para passeios turísticos, a ser definida com base em estudos técnicos e com a participação dos órgãos ambientais, de modo a compatibilizar a atividade econômica com a preservação das áreas de desova.
Para o arquiteto e urbanista Paulo Alves, a proibição da circulação de veículos nas praias é uma medida técnica e necessária. Segundo ele, o tráfego automotor na areia provoca compactação do solo, destrói a vegetação nativa, compromete ecossistemas costeiros e aumenta significativamente o risco de acidentes:
“As praias são espaços públicos frágeis, com funções ambientais, paisagísticas e sociais. Permitir veículos de forma indiscriminada compromete a segurança das pessoas e acelera processos de degradação que, muitas vezes, são irreversíveis”, afirma.
Sobre a decisão judicial envolvendo São Miguel do Gostoso, Paulo Alves avalia que a medida segue princípios consolidados do planejamento urbano e da gestão costeira. “A Justiça apenas reforça aquilo que já é previsto na legislação ambiental e urbanística. Ordenar o uso das praias não significa inviabilizar o turismo, mas qualificá-lo”, conclui ele.
A sentença também determinou a criação de um comitê local de acompanhamento, com representantes do poder público, órgãos ambientais e sociedade civil, responsável por monitorar a execução das medidas. Foi mantida ainda a previsão de multa, cujo valor será definido posteriormente, em caso de descumprimento das determinações judiciais.
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Fonte: saibamais.jor.br
