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Papai Noel Velho Batuta

Em plena semana natalina, causou frisson no país o boicote organizado pela extrema-direita para as sandálias Havaianas, após a marca ter veiculado propaganda estrelada pela atriz Fernanda Torres pedindo para todos entrarem no ano novo não com o pé direito, mas com os dois pés juntos. O pessoal que reza para pneu e manda mensagem de celular para ET viu na publicidade uma mensagem cifrada “esquerdista” contra a direita. Coisa de doido, sei disso, mas há tempos é a tônica da percepção política no Brasil (além de servir como cortina de fumaça para escândalos como os 430 mil em dinheiro achados na casa do líder do PL, por exemplo).

Mas outro fato também envolvendo espírito natalino me chocou nesta semana. O cantor Mao, vocalista da lendária banda punk paulista Garotos Podres, denunciou ter sido alvo de inquérito policial por causa da música ‘Papai Noel velho batuta’, lançada em 1985. Mao afirma que a banda foi intimada a prestar depoimento. A Secretaria da Segurança Pública não negou as informações.

Sim, é isso. Polícia e MP estão investigando uma banda de rock por uma música lançada há 40 anos em 2025. Uma censura velada que não sofreu nem mesmo naqueles anos 80, ainda sob a sombra da ditadura militar e processo de redemocratização.

Chamou minha atenção outro trecho das reportagens sobre o tema: segundo a banda, as autoridades alegaram também, para justificar a investigação, que ‘papai noel é uma figura cristã’, de grande apelo popular e religioso no país.

Espera aí, Papai Noel “símbolo cristão”? Peço aos leitores que me mandem os trechos da Bíblia em que o bom velhinho aparece ao lado de Jesus e os apóstolos para repartir pão e peixe e distribuir presentes.

Deboche à parte, sabemos todos que embora a lenda do Santa Claus/São Nicolau remete à Escandinávia, o Papai Noel como conhecemos hoje, de barba branca, roupa e gorro vermelho, é uma criação da Coca-cola (a serviço do cartunista alemão Thomas Nast) para vender o refrigerante em 1931. Um produto capitalista, portanto, nada ligado à religiosidade ou mesmo a um processo cultural orgânico.

Tenho bronca ao uso excessivo da imagem de Papai Noel e já escrevi isso neste espaço. Em pleno calor natalense, idealizar uma figura vestida de casaco e gorro como se estivesse no frio ártico sempre me pareceu , mais que colonizado, simplesmente tolo.

E voltando à canção, (composta por Mao, Mauro, Sukata e Português) ela exala uma revolta tão adolescente, como pregava a cultura punk, que parece uma alucinação entendê-la como algo perigoso e/ou subversivo:

“Papai Noel, velho batuta
Rejeita os miseráveis
Eu quero matá-lo
Aquele porco capitalista
Presenteia os ricos
(Cospe nos pobres)
Presenteia os ricos
(Cospe nos pobres)

Mas nós vamos sequestrá-lo
E vamos matá-lo, porque
Aqui não existe Natal
Aqui não existe Natal
Aqui não existe Natal
Aqui não existe Natal”

Não deixa de ser sintomático que essa letra, essa canção, não tenham incomodado os conservadores em 1985 e seja objetivo de investigação em 2025. A extrema-direita investe pesado na chamada “guerra cultural” e precisa manter a engrenagem de patrulhamento de tudo que eles considerem “contra a moral e os bons costumes”. Mesmo que envolva um personagem que não existe formatado pelo Coca-cola e uma banda punk dos anos 1980, além de policiar comercial de chinelo e cancelar sandália por suposta mensagem comunista. Que tempos.

Fonte: saibamais.jor.br

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