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Princípios Globais para a Integridade da Informação 

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No dia 24 de junho de 2024, o Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres, anunciou, em Nova Iorque, a criação dos Princípios Globais das Nações Unidas para a Integridade da Informação. Trata-se de uma iniciativa sobre um tema considerado central e que teve a adesão de dezenas de países, inclusive o Brasil, e no qual foi apresentado uma série de recomendações para ações “urgentes e necessárias” no combate à desinformação.

O debate sobre o tema antecede essa data. Em 20 de setembro de 2023, foi lançada a Declaração Global sobre Integridade da Informação Online, em Nova York (EUA), e nos dias 30 de abril e 1º de maio de 2024 ocorreu, na reunião do G20, um evento com o tema “Integridade da informação e confiança no ambiente digital”.

O que é integridade da informação e como ela se insere nas discussões sobre políticas digitais? Clara Becker e Gabriela Almeida, em artigo publicado no portal Metrópoles em 1º de maio de 2024, definem integridade da informação como “a precisão, a consistência e a confiabilidade da informação”, e que o “termo que vem sendo usado como guarda-chuva para discussões sobre assuntos sob séria ameaça devido ao avanço da desordem informacional que afeta o Brasil e outros países”.

Neste dia (1º de maio de 2024) foi realizado em São Paulo, o primeiro evento do G20 (Grupo de Trabalho Economia Digital) com foco na Integridade da Informação, com o objetivo de debater (e combater) as ameaças à democracia “que tem sofrido ataques em todo o mundo a partir do discurso de ódio e desinformação”. O evento contou, entre outros, com a participação da jornalista filipina e Prêmio Nobel da Paz, Maria Ressa.

Sob a perspectiva da ONU, trata-se de uma resposta aos efeitos nocivos da desinformação. Entre as ações propostas, destaca-se a elaboração do documento Integridade da Informação em Plataformas Digitais, sobre as formas de atuação nos processos de produção, circulação e uso da informação. Refere-se à precisão, consistência e confiabilidade da informação e assim tem como objetivo “reduzir os danos causados pela propagação da desinformação, informações falsas, pelo discurso de ódio e outros riscos ao ecossistema de informações que estão alimentando conflitos, ameaçando a democracia e os direitos humanos, prejudicando a saúde pública e a ação climática”. E destaca que esses riscos vêm sendo potencializados pelo crescimento da Inteligência Artificial (IA). (ONU BRASIL. Informe de Política para a Nossa Agenda Comum: Integridade da Informação nas Plataformas Digitais. Rio de Janeiro, out. 2023. Disponível em:

Resumidamente, Integridade da Informação significa que se possa garantir que os conteúdos produzidos e compartilhados sejam autênticos e preservem a veracidade dos fatos (honestidade e exatidão das informações). 

No Global Risks Report de 2025 (20ª edição), publicado pelo Fórum Econômico Mundial e baseado na pesquisa Percepção de Riscos Globais 2024-2025 (que contou com a colaboração de mais de 900 especialistas de vários países), entre os principais riscos identificados estão, além de conflitos armados entre Estados e riscos ambientais, a desinformação, as fake news e os deepfakes, “todos com potencial para minar a confiança nas instituições e ameaçar a coesão social e a governança”.

O documento da ONU aborda, entre outros aspectos, o ecossistema de informação na era digital, incluindo temas como desenvolvimento sustentável, confiança e resiliência social, capacitação pública, mídia independente, livre e plural, bem como a defesa de “informações precisas e confiáveis, livres de discriminação e ódio, disponíveis para todos em um ambiente de informação aberto, inclusivo, seguro e protegido”.

Se, em poucas décadas, “os avanços tecnológicos revolucionaram as comunicações, ligando indivíduos e comunidades numa escala anteriormente impensável e apresentando oportunidades incomparáveis para a difusão do conhecimento, o enriquecimento cultural e o desenvolvimento sustentável”, também facilitaram a propagação de informação falsa, desinformação e discurso de ódio “num volume, velocidade e viralidade historicamente sem precedentes, colocando em risco a integridade do ecossistema de informação”.

Dessa forma, a tarefa de reforçar a integridade da informação “é um dos desafios mais urgentes do nosso tempo” e envolve construir uma era digital que “promova a confiança, o conhecimento e a escolha individual para todas as pessoas”.

O objetivo é que o conjunto de ações propostas contribua para a promoção da integridade da informação, capacitando às pessoas para “exercerem o seu direito de procurar, receber e transmitir informações e ideias de todos os tipos e de terem opiniões sem que haja interferência”, permitindo-lhes navegar em espaços informacionais com segurança, privacidade e liberdade.

O documento dá destaque às mulheres, cuja participação na força de trabalho mundial é fundamental, mas que, contudo, ainda enfrentam discriminação. “Para além das leis e políticas discriminatórias que existem em muitos países, o discurso de ódio baseado em gênero, a desinformação e a violência são utilizados para subjugar sistematicamente as mulheres, silenciando-as e expulsando-as da esfera pública. Isso pode ter consequências devastadoras e duradouras para a participação das mulheres, suprimindo suas vozes e alimentando a autocensura, causando danos profissionais e reputacionais e comprometendo o progresso na igualdade de gênero duramente conquistado”.

Outro tema fundamental refere-se às mudanças climáticas, amplamente impactadas pela desinformação, que busca minar ações urgentes para contê-las. São identificadas campanhas sistemáticas e coordenadas — muitas vezes impulsionadas por interesses comerciais — cujo objetivo é negar ou gerar dúvidas sobre o consenso científico a respeito das mudanças climáticas induzidas pelo homem, suas causas ou impactos, a fim de atrasar ou inviabilizar ações que permitam atingir metas climáticas. O documento destaca também os ataques a quem defende tais ações, como ativistas, cientistas e ambientalistas, que se tornam alvo de discursos de ódio, ameaças e assédio por seus esforços para informar e enfrentar a crise climática.

As propostas defendem que “governos, empresas de tecnologia, anunciantes, mídia e outras partes interessadas devem se abster de usar, apoiar ou ampliar a desinformação e o discurso de ódio para qualquer finalidade”.

No dossiê Mediación en la información, publicado na revista Infor (vol. 29, nº 2, Montevidéu, 2024), intitulado Integridad de la información: nuevos temas para la mediación de la información, Carlos Alberto Ávila Araújo, professor titular da Escola de Ciência da Informação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), analisa o conceito de integridade da informação “à luz da perspectiva da mediação da informação”. Para sua análise, o autor selecionou três documentos — Protecting Information Integrity: National and International Policy Options (2018); Information Integrity: Forging a Pathway to Truth, Resilience and Trust (2022); e Information Integrity on Digital Platforms (2023) , nos quais identificou elementos que representam uma nova problemática para a mediação da informação, como o foco no fluxo da informação e no que ocorre durante sua circulação; a inserção de questões informacionais em um quadro contextual mais complexo; e a associação da desinformação com outros fenômenos, como discursos de ódio, economia da atenção e modelo de negócios das big techs. Conclui que a integridade da informação não limita as discussões ao âmbito funcional, considerando também demais dimensões presentes nos estudos sobre os fenômenos da desinformação.

O autor ressalta que a questão é agravada pelo fato de que a desinformação não se resume à divulgação de informações falsas: “As dinâmicas da desinformação apontam para processos muito mais complexos: muitas vezes, são informações apenas parcialmente falsas; outras vezes, as informações são corretas, mas atribuídas a outra fonte ou canal; em certos casos, divulga-se informação antiga como se fosse atual; algumas vezes, elas são sutilmente distorcidas; e há casos em que ocorre um recorte ou seleção de um conteúdo que, tomado isoladamente, altera seu significado”.

No Brasil, a Iniciativa Global pela Integridade da Informação foi lançada em parceria com a ONU e a UNESCO durante o G20, realizado pela primeira vez no país, no Rio de Janeiro, entre os dias 17 e 19 de novembro de 2024, com a presença de representantes de diversos países, como França, Dinamarca, Reino Unido, Suécia, Chile, Uruguai e Marrocos.

O objetivo foi criar condições para a mobilização global sobre as mudanças climáticas e propor ações visando à realização da Cúpula do Clima das Nações Unidas, a COP30, marcada para ocorrer entre 10 e 21 de novembro de 2025, em Belém (PA).

Uma das inovações da reunião foi à criação dos chamados Enviados Especiais. No caso do Brasil, o enviado especial para a Integridade da Informação teria como missão “garantir que o debate público ocorra com responsabilidade, mobilizando influenciadores e rompendo bolhas, além de sensibilizar as grandes plataformas digitais”.

O enviado para a COP30 de Belém do Pará foi o jornalista Frederico Assis, que publicou um artigo no dia 4 de novembro de 2025, no Fórum Brasil, da Fundação Perseu Abramo, intitulado COP 30 e o desafio global da desinformação climática e a proposta do Brasil.

Nesse artigo, ele enfatiza a importância da luta contra as mudanças climáticas, frequentemente obstaculizada por desinformação “impulsionada por interesses políticos, econômicos e ideológicos, movidos por algoritmos opacos e conteúdos enganosos que minam a confiança na ciência e nas instituições, enfraquecem políticas públicas, desmobilizam a opinião pública e alimentam narrativas que justificam a paralisia da ação coletiva”.

Para enfrentar tais desafios, tornou-se fundamental desenvolver estratégias de comunicação baseadas em ciência e combater o negacionismo científico e climático, entendido como a recusa de aceitar evidências sobre mudanças climáticas. Esse combate foi articulado por meio de uma rede global voltada a enfrentar a gigantesca engrenagem de desinformação que alimenta as grandes plataformas digitais e influencia sociedades inteiras.

O fato é que estratégias e ações foram articuladas e desenvolvidas para a realização da COP30. Embora ainda não haja um balanço baseado em dados do que foi planejado e efetivamente realizado, entre elas a proposta  de educação midiática, suas metodologias, locais de aplicação e resultados, é possível afirmar que houve cumprimento dos acordos firmados entre os países e mais especificamente no que diz respeito aos princípios para a integridade da informação.

Os avanços são inegáveis e o saldo da COP 30 foi amplamente positivo. Os grupos negacionistas que usaram as redes para tentar desqualificar a COP30 não obtiveram êxito. Houve, em geral, ampla cobertura midiática favorável antes e durante o evento, destacando a participação de milhares de pessoas – mais de 10 mil credenciados -, tornando-se a maior COP em termos de participação social e apresentando propostas relevantes do Brasil.

Entre essas propostas destacam-se duas:

  • Criação do Fundo Florestas Tropicais para Sempre, voltado à proteção da floresta e ao incentivo à conservação ambiental, e que deve contar com apoio de diversos países;
  • E o Mapa do Caminho para o fim do uso de combustíveis fósseis, acompanhado da criação de um bloco político global para organizar a transição energética, com o aumento do uso de energias renováveis e redução da dependência de combustíveis fósseis e os compromissos assumidos por 82 países, incluindo França, Reino Unido, Alemanha, Finlândia, Dinamarca, Áustria, Suíça, Suécia, Portugal, Espanha, Grécia, Países Baixos, México, Chile, Paraguai, Peru e Colômbia.

Também houve discussões e propostas relacionadas à redução contínua do desmatamento – como vem ocorrendo no governo Lula, com queda de 11% no desmatamento da Amazônia entre agosto de 2024 e julho de 2025, comparado ao ano anterior – e de 77% nos incêndios florestais entre julho e outubro de 2025, comparado aos mesmos meses de 2024. Outras medidas incluíram ações contra o aquecimento global e o respeito aos povos indígenas, como compromisso para a demarcação de suas terras.

Essas iniciativas dialogam diretamente com os Princípios Globais para a Integridade da Informação, contribuindo para combater a desinformação e as narrativas falsas sobre temas ambientais, climáticos e sociais.

Fonte: saibamais.jor.br

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