A Polícia Federal indiciou o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e ex-integrantes de seu governo por tramarem um golpe de Estado no país. Cronologia mostra o que aconteceu entre julho de 2022 e janeiro de 2023, de acordo com informações da Polícia Federal. Foto: Amanda Perobelli/Reuters
A Polícia Federal (PF) indiciou na quinta-feira (21) o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e ex-integrantes de seu governo – como o ex-ajudante de ordens Mauro Cid e o ex-ministro Braga Netto – por tramarem um golpe de Estado no país. A lista tem 37 nomes indiciados no total.
A conclusão da investigação “apurou existência de uma organização criminosa que atuou de forma coordenada, em 2022, na tentativa de manutenção do então presidente da República [Jair Bolsonaro] no poder”.
Dois dias antes da finalização do inquérito, quatro militares do Exército e um agente da PF foram presos após serem acusados de tentar matar o presidente Lula, o vice-presidente Geraldo Alckmin e o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. O plano teria sido traçado no fim de 2022.
Abaixo, confira a cronologia dos principais momentos que marcaram a tentativa de golpe de Estado no país, arquitetada pelos investigados:
5 de julho de 2022
Bolsonaro convoca ministros para uma reunião onde falam sobre a tentativa de um golpe de Estado, segundo a PF. O vídeo da reunião foi encontrado no notebook de Mauro Cid.
Na reunião, Bolsonaro disse que “se a gente reagir depois das eleições vai ter um caos no Brasil”. O general Heleno, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) afirmou que “se tiver que virar a mesa, é antes das eleições”.
A reunião também teve a presença dos então ministros Anderson Torres (Justiça) e Paulo Sérgio Nogueira (Defesa), além do chefe-substituto da Secretaria-Geral da Presidência, Mário Fernandes, e do ex-chefe da Casa Civil Braga Netto. Todos eles acabariam indiciados no relatório da PF sobre o golpe de Estado.
18 de julho de 2022
Bolsonaro reúne embaixadores e faz acusações sem provas contra o sistema eleitoral brasileiro. Então pré-candidato à reeleição, Bolsonaro usou o Palácio da Alvorada e a estrutura do governo a fim de organizar uma apresentação para embaixadores de vários países na qual repetiu suspeitas, já desmentidas por órgãos oficiais, sobre as eleições de 2018 e a segurança das urnas eletrônicas.
30 de outubro de 2022
Lula vence o segundo turno das eleições com 50,90% (60,3 milhões de votos). Bolsonaro teve 49,10% (58,2 milhões de votos).
1º de novembro de 2022
Logo após o resultado das eleições de 2022, manifestantes bolsonaristas começam a acampar em frente a quarteis do Exército pelo país, incluindo o quartel-general da Força em Brasília.
O general Mário Fernandes, então secretário-executivo da Secretaria-Geral da Presidência da República, visita o acampamento na capital federal e tira fotos de si mesmo no local. Os registros se repetem ao longo dos dias seguintes no mesmo mês.
9 de novembro de 2022
Segundo a PF, neste dia Fernandes criou em um computador no Palácio do Planalto um documento intitulado “Planejamento – Punhal Verde Amarelo”, que “indica a elaboração de um detalhado planejamento que seria voltado ao sequestro ou homicídio” de Alexandre de Moraes, Lula e Geraldo Alckmin.
A PF diz que o plano inclui os dados necessários para sua realização, cita o alto risco da operação e descreve inclusive a possibilidade de morte de eventuais militares envolvidos.
No mesmo dia, Fernandes imprimiu o documento no Palácio do Planalto e teria levado até o Alvorada, residência do então presidente Bolsonaro. O Palácio do Alvorado aponta o registro da presença de Fernandes no prédio naquele dia.
11 de novembro de 2022
O tenente-coronel das Forças Especiais do Exército Rafael Martins conversa com Mauro Cid sobre manifestações em Brasília. Martins perguntou a Cid onde as manifestações deveriam ocorrer e questionou se as Forças Armadas assegurariam a permanência dos participantes no local. A resposta de Cid foi positiva. Cid pediu a Martins que estimasse os custos de trazer pessoas para participarem da manifestação em Brasília.
12 de novembro de 2022
Integrantes do grupo fazem uma reunião na residência do general Braga Netto e, após o encontro, iniciam o monitoramento do ministro Alexandre de Moraes. Segundo a PF, a reunião serviu para apresentar e aprovar o plano.
Além de Braga Netto, estavam presentes também Mauro Cid, o major Rafael Martins de Oliveira e o tenente-coronel Hélio Ferreira Lima.
Nesta transcrição abaixo, eles combinam de ir à casa de Braga Netto, “na 112”.
Entre 21 e 23 de novembro de 2022
Integrantes do grupo do Exército visitam locais descritos na operação, como a região do apartamento do ministro Alexandre de Moraes.
28 de novembro de 2022
O coronel Bernardo Romão Corrêa Netto promove reunião com oficiais das Forças Especiais e envia minuta de uma carta para pressionar comandante do Exército.
6 de dezembro de 2022
PF registra troca de mensagens entre Rafael de Oliveira e Mauro Cid e possível presença de ambos no Palácio do Planalto.
Cruzando estas informações com mensagens de ajudantes de ordem da Presidência enviadas para Cid, os investigadores destacam que há evidências sobre “a presença concomitante dos militares Rafael de Oliveira e Mauro Cid na região do Palácio do Planalto em horário compatível com a presença do então presidente da República Jair Bolsonaro por aproximadamente 30 minutos, no local”.
Neste mesmo dia – e também em horário compatível com a presença de Bolsonaro, Cid e Rafael no Planalto – houve a impressão pelo general Fernandes do planejamento “Punhal Verde Amarelo” na sede do governo.
7 de dezembro de 2022
Bolsonaro recebe os comandantes das Forças Armadas no Palácio da Alvorada. Segundo o então comandante do Exército, general Freire Gomes, Bolsonaro apresentou uma minuta de decreto que previa o “estado de sítio dentro das quatro linhas”.
Diante das informações sobre a reunião, o general Mário Fernandes encaminhou a Mauro Cid mensagem sobre o encontro, pedindo que um vídeo fosse exibido a Freire Gomes.
No mesmo dia, mensagens trocadas entre Mauro Cid e o então assessor da Presidência, Marcelo Câmara, indicam que o monitoramento do ministro Alexandre de Moraes continuava sendo realizado.
8 de dezembro de 2022
Segundo a PF, as linhas telefônicas que fizeram parte do grupo de mensagens “Copa 2022”, dedicado ao plano golpista, foram ativadas neste dia. Registros utilizam dados de pessoas sem envolvimento na operação – uma tentativa de impedir a identificação do verdadeiro usuário do prefixo telefônico, de acordo com a investigação.
Neste dia, Mário Fernandes relata a Mauro Cid ter conversado pessoalmente com Bolsonaro e que o então presidente teria dito que “qualquer ação nossa pode acontecer até 31 de dezembro” – a data de 12 de dezembro, que marcaria a diplomação de Lula, não seria um limite. Fernandes também diz a Cid que eles já haviam perdido “tantas oportunidades” e que em breve haveria mudança nos comandos das Forças Armadas. Registros do Palácio da Alvorada indicam que Fernandes esteve no local por pelo menos 40 minutos.
9 de dezembro de 2022
Bolsonaro faz a primeira fala a apoiadores desde a derrota nas eleições, com frases como “se Deus quiser, tudo dará certo no momento oportuno” e “nada está perdido.”
Nesta mesma data, Bolsonaro recebeu do seu então assessor Filipe Martins a minuta do golpe que previa prisão de Moraes e a realização de novas eleições. Ele fez alterações no texto e devolveu, segundo a investigação.
Também no dia 9, o general Theophilo Oliveira, do Comando de Orientações Especiais, se encontra com Bolsonaro no Palácio do Planalto e se coloca à disposição para aderir ao golpe de Estado, segundo conversas obtidas no celular de Cid. A condição de Theophilo para aderir e colocar tropas especiais nas ruas seria que Bolsonaro assinasse a minuta que determinasse o golpe.
Em mensagens a Cid neste mesmo dia, o general Mário Fernandes diz ser “bacana” que o presidente “aceitou aí o nosso assessoramento”.
Entre 9 e 13 de dezembro de 2022
PF registrou conversas de Mário Fernandes com pessoas acampadas em frente ao quartel-general do Exército, incluindo pedidos de orientação a Fernandes. Para a PF, as mensagens mostraram que “Fernandes era o ponto focal do governo de Jair Bolsonaro com os manifestantes golpistas”.
10 de dezembro de 2022
Mais mensagens trocadas entre Marcelo Câmara e Mauro Cid apontam a continuidade do monitoramento de Moraes.
12 de dezembro de 2022
No dia da diplomação da chapa de Lula e Alckmin, bolsonaristas radicais tentam invadir o prédio da PF e incendiaram carros e ônibus em Brasília.
13 de dezembro de 2022
Celulares que integrariam o grupo do evento Copa 2022 se deslocam. Um deles se passa por “locais de interesse da ação”, segundo a PF, incluindo “a residência funcional do ministro Alexandre de Moraes.”
No mesmo dia, o agente da PF Wladimir Matos Soares envia mensagens ao assessor da Presidência Sergio Cordeiro, capitão do Exército, a respeito da segurança de Lula.
15 de dezembro de 2022
Ao menos seis pessoas do grupo se posicionam para a operação contra o ministro Alexandre de Moraes em vários pontos de Brasília.
Na noite daquele dia, Rafael de Oliveira (segundo a PF, utilizando o codinome Japão) se apresenta e diz estar em posição. Mais tarde, o codinome Áustria também se diz em posição. O codinome Alemanha, no entanto, identificado pela PF como possível líder do grupo, encaminha a todos uma reportagem indicando que uma sessão de julgamentos do Supremo Tribunal Federal havia se encerrado mais cedo.
Neste momento, o codinome Áustria questiona se “vai cancelar o jogo”, ao que o codinome Alemanha responde “Abortar… Áustria volta para o local de desembarque… estamos aqui ainda…”.
Para a PF, na Operação Copa 2022, “militares Forças Especiais executaram uma ação clandestina no dia 15 de dezembro de 2022, para prender/executar o ministro Alexandre de Moraes” em Brasília.
O dia seguinte à operação, 16 de dezembro, seria a data prevista para a criação de um ‘gabinete de crise’, que seria comandado pelos generais Augusto Heleno e Braga Netto, com a finalidade de “restabelecer a legalidade e estabilidade institucional”, “realizar segurança e participar da coordenação e fiscalização de nova eleição” e “neutralizar a capacidade de controle por parte do STF até regulamentação de decisões judiciais”.
Ainda no dia 15, Braga Netto xingou o comandante do Exército, Freire Gomes, durante conversa com o capitão reformado Aílton Gonçalves Barros. “Oferece a cabeça dele. Cagão”, disse Braga Netto a Ailton Barros após Freire Gomes não ter aderido ao golpe, segundo as investigações.
30 de dezembro de 2022
Bolsonaro deixa o Brasil e viaja para a Flórida. Com a viagem, o ex-presidente deixou claro que não passaria a faixa presidencial para Lula no evento da posse.
1º de janeiro de 2023
Lula toma posse como novo presidente da República.
8 de janeiro de 2023
Golpistas invadem e destroem as sedes dos Três Poderes em Brasília. Em ataque à democracia sem precedentes na história do Brasil, os golpistas quebraram vidraças e móveis, vandalizaram obras de arte e objetos históricos, invadiram gabinetes de autoridades, rasgaram documentos e roubaram armas.
Fonte: G1