A pobreza, a fome e as desigualdades sociais atingem países de todos os continentes. Em julho de 2024, o relatório O Estado da Segurança Alimentar e da Nutrição no Mundo (SOFI), publicado durante a realização da reunião ministerial da Força-Tarefa do G20 no Rio de Janeiro (que criou a Aliança Global Contra a Fome e a Pobreza) informou que havia cerca de 733 milhões de pessoas no mundo passando fome, “o equivalente a uma em cada 11 pessoas no mundo e uma em cada cinco na África”, e que “o mundo estava falhando gravemente em alcançar o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 2, o Fome Zero, até 2030” e que as projeções indicam que mais de 500 milhões de pessoas podem estar cronicamente subalimentadas até 2030, sendo quase 60% na África.
Segundo o relatório, o mundo retrocedeu 15 anos, com níveis de desnutrição comparáveis aos de 2008-2009: “Apesar de algum progresso em áreas específicas, um número alarmante de pessoas continua a enfrentar insegurança alimentar e má nutrição. Aproximadamente 152 milhões a mais do que em 2019”.
Em julho de 2025, foi publicado o SOFI 2025, com dados relativos a 2024, durante o Segundo Balanço da Cúpula dos Sistemas Alimentares da ONU, em Adis Abeba (Etiópia). Estima-se que a fome atingiu 8,2% da população mundial (cerca de 673 milhões de pessoas). Em comparação com 2023, houve redução de 8,7%, significando queda de 15 milhões em relação a 2023 e de 22 milhões em relação a 2022.
Mas, como nos anos anteriores, houve variações. A redução não foi uniforme: a fome atingiu especialmente a maioria das sub-regiões da África e da Ásia Ocidental, onde continuou a aumentar: “A proporção da população em situação de fome na África ultrapassou os 20% em 2024, afetando 307 milhões de pessoas. Na Ásia Ocidental, estima-se que 12,7% da população (mais de 39 milhões de pessoas) (…) Embora essa queda seja bem-vinda, as estimativas mais recentes permanecem acima dos níveis anteriores à pandemia, com a alta inflação dos alimentos nos últimos anos dificultando a recuperação da segurança alimentar”.
Segundo o relatório, houve melhoras significativas no Sul da Ásia e na América Latina: “A prevalência da subalimentação (PoU) na Ásia caiu de 7,9% em 2022 para 6,7% em 2024, representando 323 milhões de pessoas. Já a América Latina e o Caribe reduziram a PoU para 5,1% em 2024 (34 milhões de pessoas), abaixo do pico de 6,1% registrado em 2020”.
A pobreza e as desigualdades atingem também países desenvolvidos, como na Europa e nos Estados Unidos. Em relação à Europa, entre outros exemplos, podemos citar o caso de Portugal. Em outubro de 2025, o jornalista Francisco José Cardoso publicou um artigo no Diário de Notícias da Madeira (08 de outubro), citando dados da Rede Europeia Anti-Pobreza (EAPN) – fundada em 1990 na Bélgica (Bruxelas), com a adesão de diversos países- que emitiu uma nota afirmando que “mais de 1,7 milhão de pessoas vivem com menos de 632 euros por mês e 1 em cada 5 portugueses enfrenta pobreza ou exclusão social”.
A EAPN é uma importante iniciativa que mostra a presença da pobreza em alguns países desenvolvidos. Trata-se de uma rede que defende a erradicação da pobreza e da exclusão social nos respectivos países, exigindo “um combate persistente, articulado com a defesa dos direitos humanos e com a promoção do desenvolvimento integral do ser humano, em um contexto marcado por crises políticas, conflitos armados e instabilidade econômica global”. Nesse sentido, “o combate à pobreza e à exclusão social deve ser encarado como um desafio coletivo e de cidadania, que requer intervenções territorializadas, promotoras da coesão social e territorial”, e propõe alternativas que “assegurem a equidade, a justiça e uma relação equilibrada entre o local e o global”.
Quanto aos Estados Unidos, uma matéria publicada no site UOL, pela jornalista Mariana Sanches, no dia 29 de novembro de 2025, com o título “Fome à americana: 47 milhões nos EUA vivem sem saber se terão o que comer”, expressa um dos resultados do (des)governo de Donald Trump: usando dados do Programa de Assistência Nutricional Suplementar (SNAP), mostra que houve um crescimento da pobreza e da desigualdade (o salário mínimo de US$ 7,25 por hora está congelado desde 2009 e em que, nos últimos cinco anos, os alimentos ficaram 30% mais caros).
Outra matéria, publicada no portal Vermelho por Lucas Toth, em 1º de dezembro de 2025 “Milhões recorrem a ajuda alimentar nos EUA em meio à piora abrupta da pobreza” afirma que “a fragilidade da rede de proteção social, somada ao custo elevado de vida nas grandes cidades, vem convertendo milhões de americanos em dependentes de doações e programas públicos que sofrem interrupções frequentes”.
No Brasil, especialmente a partir de 2003, houve mudança significativa em relação à fome, à pobreza e à desigualdade (com variações regionais), com políticas públicas e diversos programas sociais, que, entre outros aspectos, levaram o país a sair mais uma vez do Mapa da Fome (a anterior foi em 2014, no governo Dilma Rousseff. Com o golpe (agosto de 2016), os programas sociais foram descontinuados e a implementação de políticas neoliberais levou ao crescimento da fome, da pobreza e das desigualdades sociais, fazendo o país retornar ao Mapa da Fome).
A partir de 2023, mais uma vez, o governo Lula se empenha em reduzir a pobreza e as desigualdades, retomando e ampliando programas sociais. No final de 2023, eram 75 programas em execução (continuidade que se manteve em 2024) e um dos resultados foi que os indicadores de renda média, desigualdade e pobreza alcançaram os melhores níveis já registrados pelas pesquisas domiciliares do país (desde 1995).
Há um detalhamento dos dados de 2023 na Síntese de Indicadores Sociais, publicado pelo IBGE em dezembro de 2024, com uma análise das condições de vida da população brasileira, estrutura econômica e mercado de trabalho, nível de ocupação, condições de moradia, educação, saúde e condições de vida segundo extratos geográficos.
Esse conjunto de iniciativas explica os dados mais recentes do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). A nova nota técnica, assinada pelos pesquisadores Pedro Herculano Souza e Marcos Dantas Hecksher, publicada no dia 25 de novembro de 2025, afirmam que o país teve diminuição da inflação, maior empregabilidade e maior renda, fatores que contribuíram para a redução das desigualdades e da pobreza.
Segundo os autores, ao longo dos últimos 30 anos, a renda domiciliar per capita aumentou cerca de 70%, enquanto o coeficiente de Gini (que mede a desigualdade de renda) caiu quase 18%. A taxa de extrema pobreza recuou de 25% para menos de 5%.
Um aspecto relevante destacado por Marcos Dantas Hecksher é que “Os resultados mostram que é possível reduzir intensamente a pobreza e a desigualdade, mas que esses movimentos também podem ser interrompidos ou mesmo revertidos por vários fatores”.
Segundo a nota técnica “a melhora entre 2021 e 2024 foi impulsionada por dois fatores equivalentes: o aquecimento do mercado de trabalho e a expansão das transferências assistenciais. Ambos responderam, cada um, por quase metade da redução da desigualdade e da queda da extrema pobreza no período”.
Houve redução da taxa de desemprego – o país tem atualmente a menor taxa de desemprego (5,4%) desde o início da série histórica, iniciada em 2012 – os percentuais dos que vivem na linha de pobreza caiu de 27,3% para 23,1% e de extrema pobreza de 4,4% para 3,5% – também o menor patamar desde o início da série histórica, aumento da renda média dos trabalhadores e dos investimentos em programas sociais, como parte da retomada de programas que haviam sido descontinuados no governo anterior.
O dado mais relevante nesse sentido é que em um ano, segundo os dados da Síntese de Indicadores Sociais, houve uma queda da pobreza e extrema pobreza, que seguem em queda e que 10,1 milhões de pessoas saíram da pobreza extrema.
Programas importantes como Bolsa Família (um dos maiores programas de transferência de renda do mundo) tiveram aumento dos valores para famílias beneficiárias a partir de 2023, com adicionais para aquelas com filhos menores de idade; e o Minha Casa, Minha Vida – o maior programa de habitação popular da história do país – com a meta de construir 2 milhões de moradias até o final do próximo ano.
Outros programas relevantes incluem o Farmácia Popular (hoje com 41 medicamentos distribuídos gratuitamente), o Luz Para Todos (para isentar famílias de baixa renda do pagamento de consumo de energia), o reajuste no valor da merenda escolar, ampliação do programa Mais Médicos, a criação do programa Desenrola Brasil (de renegociação de dívidas para recuperação da condição de crédito de devedores com baixa renda), o Pé-de-Meia, as cotas para universidades, o aumento do Plano Safra e o incremento de recursos para a agricultura familiar.
Houve também queda da inflação e valorização do real – que iniciou 2024 cotado a R$ 6,18 e chegou ao início de dezembro a cerca de R$ 5,35 – além de recordes na Bolsa de Valores. A inflação, projetada inicialmente em 6%, encerrou o ano estimada em 4%. A alta dos alimentos, antes prevista para 8% a 9%, fechou o ano em 2,02%, com quedas expressivas em itens como arroz (-24,2%) e feijão preto (-32%), a menor média dos últimos quatro anos.
Em março de 2025, foram anunciados mais três programas: o crédito para motociclistas (para compra de motocicletas por entregadores), o Vale Gás (distribuição gratuita para famílias de baixa renda), o programa para reforma de casas e crédito consignado para trabalhadores da iniciativa privada (até então disponível apenas para servidores públicos e aposentados).
Entre os efeitos da melhora econômica houve aumento do consumo, como exemplificado pelos dados da Black Friday em novembro de 2025, quando ocorreram 297 milhões de operações via Pix, movimentando mais de R$ 160 bilhões.
E no dia 26 de novembro, depois de ser aprovada no Congresso Nacional, o presidente Lula sancionou uma lei, de iniciativa do governo, depois de nove meses de tramitação, da isenção de Imposto de Renda para quem recebe até R$ 5 mil, beneficiando milhões de pessoas e contribuindo para aumento do consumo, melhoria de renda e redução das desigualdades. A lei também reduz o imposto de quem recebe entre R$ 5 mil e R$ 7.350.
Como disse o presidente Lula em pronunciamento em rede nacional no dia 30 de novembro de 2025, ao se referir à assinatura desta lei que “Pela primeira vez, mais de 100 anos após o início do Imposto de Renda, privilégios de uma pequena elite financeira deram lugar a conquistas para a maioria do povo brasileiro (…) mais do que uma correção da tabela do Imposto de Renda, a nova lei ataca a principal causa da desigualdade no Brasil: a chamada injustiça tributária”.
O presidente salientou ainda que a compensação “não virá de cortes na educação ou na saúde, mas da taxação dos super-ricos, 0,1% da população que ganha mais de R$ 1 milhão por ano e hoje não paga nada ou quase nada de imposto”, destacando que, segundo cálculos da Receita Federal, em 2026 deve injetar R$ 28 bilhões na economia.
Lula também mencionou que o Brasil voltou a figurar entre as 10 maiores economias do mundo; saiu novamente do Mapa da Fome; tem a menor inflação acumulada de quatro anos e a menor taxa de desemprego da história recente; e que o salário mínimo voltou a subir acima da inflação e que “graças a essas políticas, a desigualdade no Brasil é hoje a menor da história”.
No entanto, destacou que, mesmo com avanços “o Brasil continua a ser um dos países mais desiguais do mundo. O 1% mais rico acumula 63% da riqueza do país, enquanto a metade mais pobre da população detém apenas 2%. É riqueza demais concentrada nas mãos de uma pequena parcela de super-ricos”.
A mudança no Imposto de Renda não vai resolver todos os problemas, mas, como afirmou o presidente, é um passo decisivo para transformar essa realidade, apenas o primeiro, e que “seguirá combatendo os privilégios de poucos para defender os direitos e as oportunidades de muitos”.
Não se muda facilmente um problema secular e de ordem estrutural. Mesmo com todo esforço, o país permanece desigual, com alta concentração de renda (e de terras), com uma parcela da população ainda vivendo abaixo da linha de pobreza. E há as desigualdades regionais, com o Nordeste tendo os maiores índices de pobreza e extrema pobreza, desigualdades raciais. Segundo os dados, na população branca, 15,1% eram pobres e 2,2% estavam na extrema pobreza, enquanto entre os pretos, era de 25,8% e extrema pobreza, 3,9%, da mesma forma, há diferenças entre as áreas rurais e urbanas. Enquanto 7,2% da população rural é definida como de extrema pobreza, nas áreas urbanas, é menos da metade, 3%.
E ainda que 16,3 milhões de famílias brasileiras vivem em casas com inadequações, como falta de abastecimento de água pela rede pública e de esgotamento sanitário e 1,2 milhão dessas famílias vivem em casas sem banheiro. Delas, 83,5% são chefiadas por pessoas negras e 70% por mulheres.
Ainda são números expressivos, mas é fundamental ter um governo comprometido com mudanças estruturais, consciente das desigualdades, da injusta tributação que atinge os mais pobres e isenta os mais ricos, e comprometido especialmente com políticas públicas efetivas de combate à fome, à pobreza e à desigualdade. E este é o caminho: depois de anos de retrocesso ou estagnação, os indicadores sociais voltaram a melhorar.
Ao governo, cabe fazer o que é possível, definindo prioridades para tornar o país menos desigual e injusto, como ampliar a rede de assistência social, associada à retomada da geração de empregos. Além da reforma tributária, será preciso avançar em outras mudanças relevantes (que não dependem apenas do governo), como a Previdenciária e a Trabalhista (modificar a lei que trouxe retrocessos, como a reforma aprovada em 2017, que flexibilizou direitos e precarizou as relações trabalhistas). Enfim, é preciso continuar o combate à fome, à pobreza e à desigualdade, promovendo crescimento econômico com conservação ambiental e ampliando os investimentos em educação, saúde, segurança pública, cultura, entre outras áreas que possam contribuir para reduzir a histórica — e persistente — pobreza, fome e desigualdade social no país.
Fonte: saibamais.jor.br
