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Projeto reúne e valoriza a diversidade da literatura escrita por mulheres no RN

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Janaina Porto, idealizadora do projeto “Mulheres em Cena na Literatura Potiguar”. Foto: Alisson Almeida

Dar visibilidade à literatura produzida pelas escritoras do Rio Grande do Norte. Foi com esse propósito maior em mente que a professora, pesquisadora e historiadora Janaina Porto Sobreira idealizou o projeto “Mulheres em Cena na Literatura Potiguar de Leste a Oeste”, lançado oficialmente na noite do último sábado (13), no espaço cultural Mahalila Café & Livros, no bairro de Lagoa Nova, Zona Sul de Natal.

Desde março, quando teve início o trabalho de pesquisa, após ser aprovado pela Lei Paulo Gustavo, o projeto mapeou cerca de 200 autoras potiguares, espalhadas pelas mesorregiões do Alto Oeste, Agreste, Central e Leste do Rio Grande do Norte. Dessas, até o momento, 130 foram catalogadas e 30 já estão com suas obras disponibilizadas no site do “Mulheres em Cena na Literatura Potiguar”.

Janaína conta que a ideia é atualizar o site constantemente com as obras de mais autoras potiguares. Ela explicou que nem todas as escritoras que foram mapeadas têm livros publicados, o que lhe causou um certo “incômodo”.

Janaina Porto, idealizadora do projeto “Mulheres em Cena na Literatura Potiguar”. Foto: Alisson Almeida

“Durante o meu projeto de mestrado, embora não tenha trabalhado especificamente com literatura escrita por mulheres, tive esse incômodo enquanto leitora de saber quem são essas autoras potiguares, muitas vezes anônimas, que, apesar de escreverem, nem sempre se reconhecem como escritoras”, disse.

Desse incômodo inicial surgiu a vontade de dar visibilidade, através do projeto, a essas autoras que, por algum motivo, não conseguiram fazer parte do que a historiadora chama de “círculo literário tradicional”.

“É muito difícil publicar. Quando você publica, nem sempre consegue fazer com que a sua obra circule, tenha visibilidade, porque o que um autor ou uma autora deseja, além de conseguir publicar, é que sua obra seja lida”, comenta.

Foto: Alisson Almeida

Janaína disse que, durante os encontros virtuais, oficinas presenciais em escolas públicas selecionadas e entrevistas realizadas durante a pesquisa do projeto, percebeu esse “estranhamento” das mulheres que, mesmo produzindo literatura, não se enxergavam no “lugar de autoras”.

“Existe uma barreira, eu diria até mesmo uma autossabotagem, que vem muito do nosso processo histórico e do próprio machismo, que faz com que homens publiquem mais, tenham mais visibilidade e consigam mais circulação. Nas entrevistas, muitas mulheres diziam que gostavam de escrever, mas não tinham ideia que poderiam ser autoras, que poderiam se identificar como escritoras”, acrescentou.

Foto: Alisson Almeida

As mulheres, segundo a historiadora, pensavam que esse “lugar de escritora” era distante demais delas. No entanto, ponderou a idealizadora do projeto, “autores e autoras são pessoas reais”.

“Todo mundo escreve, todo mundo tem um processo íntimo, privado e criativo de escrita. O projeto nos permitiu pensar em estratégias para poder chegar até essas autoras, descobrir sua produção e criar uma plataforma para valorizar suas obras”, comentou.

Foto: Alisson Almeida

Janaina destacou que, quando se fala em escritoras potiguares, a nossa memória quase sempre nos remete às autoras consagradas, como Nísia Floresta, Auta de Souza, Palmyra Wanderley, Zila Mamede e Myriam Coeli.

Ela observou, no entanto, que há muitos outros nomes contemporâneos que já têm uma circulação, mas que não costumam ser lembrados.

“Eu queria justamente fazer alguma coisa para reunir o máximo possível de autoras e disponibilizar a obra delas para que todo mundo pudesse acessar e conhecer essa produção que é tão diversa”, declarou.

Escritora indígena é uma das autoras que participam do projeto

Eva Potiguara já lançou 12 livros, além de participar de mais de 40 coletâneas. Foto: Alisson Almeida

Uma das autoras que fazem parte do projeto é a escritora indígena Eva Potiguara, vencedora do Prêmio Jabuti 2023 na categoria “Fomento à Leitura”, pelo projeto “Guerreiras da Ancestralidade do Mulherio das Letras Indígenas”.

Nascida em Natal, ela tem suas origens ligadas ao povo Potiguara, que está presente no território Sagi-Jacu, no município de Baía Formosa. Autora de 12 livros, além de participação em mais de 40 coletâneas, a primeira obra de Eva foi “Casulo Borboleta”, lançado em 2016.

Ela afirmou que, nos últimos cinco anos, passou a abordar com mais ênfase a temática indígena em suas obras, mas disse que sua literatura sempre teve “uma veia poética e ao mesmo tempo voltada para um sentimento antipatriarcal e anticolonial”.

A escritora ressaltou a importância do projeto “Mulheres em Cena na Literatura Potiguar” para divulgar, fomentar e valorizar a diversidade da produção literária das autoras do Rio Grande do Norte.

“Ao eu ser inserida nessa diversidade, eu estou levando essa literatura dos povos indígenas, trazendo essa voz que foi silenciada por tantos anos. É importantíssimo que haja mais trabalhos como esse, apoiados pelo Ministério da Cultura. Nós queremos que mais mulheres sejam lidas, contem suas histórias e sejam reconhecidas como escritoras”, defendeu.

Diversidade literária: os contos de terror de Kalina Paiva

Em vez dos tradicionais contos de fada, Kalina cresceu ouvindo a avó lhe contar histórias de terror. Foto: Alisson Almeida

A professora do IFRN, Kalina Paiva, autora de literatura de terror, é uma demonstração dessa diversidade do projeto. Ela disse que seu interesse por esse gênero literário nasceu desde a “mais tenra idade”, quando sua avó lhe contava “histórias de assombração”.

“Ao contrário das crianças que cresceram ouvindo contos de fadas, eu cresci com minha avó contava histórias de terror”, contou, rindo, assegurando que nunca teve medo das “assombrações”. “Eu achava maravilhoso”, garantiu.

A avó nunca imaginou, no entanto, que os casos assustadores que contava à neta a inspirariam a se transformar em uma autora de terror. Em 2025, Kalina lançou seu primeiro livro do gênero: “A Cruz da Cabocla – Aparições, Terror e Mistério”.

Ela publicou outros três livros anteriormente, dois deles de poesia e um infantil. Kalina revelou que já vinha publicando contos de terror em algumas coletâneas, mas esse ano decidiu reunir sua produção em “A Cruz da Cabocla”.

O título faz referência a uma lenda que remete à história do bairro de Felipe Camarão, na Zona Oeste de Natal, que segundo ela começou a circular no século XIX.

A cabocla, ainda segundo a lenda, teria sido uma indígena que fugiu da seca no interior com seus dois filhos, que morreram desidratados nos braços dela ao chegarem a Natal.

“No local onde ela morreu, as pessoas começaram a fazer peregrinação, fazer orações e alcançar milagres e graça. A Igreja Católica tentou apagar a imagem dessa cabocla, mas até hoje ela é cultuada. As pessoas oram para ela na cruz que tem em frente à igrejinha no centro do bairro de Felipe Camarão”, narrou.

Projeto também estimula uso pedagógico da literatura

Foto: Alisson Almeida

A preocupação de Janaina não se restringiu a mapear, catalogar e publicizar a produção das mulheres escritoras do Rio Grande do Norte. Junto com as agentes culturais do projeto, distribuídas nas regiões abrangidas pelo projeto, ela também desenvolveu um vasto material de apoio pedagógico para ser usado em sala de aula como forma de estimular os estudantes a valorizar a literatura regional.

“O projeto também abrange essa vertente de trabalhar novas metodologias, incentivar práticas pedagógicas que valorizam a literatura regional e produzir materiais didáticos e formativos para apoiar o trabalho em sala de aula”, detalhou.

Janaina disse que gostaria que o projeto tivesse continuidade, o que também foi uma demanda surgida no processo de escuta de professores e estudantes durante as oficinas realizadas nas escolas públicas.

Ela afirmou que já pensou em expandir as oficinas e em transformar o projeto em um formato mais itinerante para que outros professores, estudantes e a comunidade em geral tenham contato com a literatura.

“Espero muito que os resultados do projeto sejam bem recebidos pelo público e que esse acervo que reunimos ajude pesquisadores que, daqui a alguns anos, tenham interesse em estudar a literatura escrita por mulheres no Rio Grande do Norte. Esse mapeamento está totalmente disponível no nosso site, inclusive de forma acessível para Pessoas com Deficiência”, completou.

Fonte: saibamais.jor.br

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