Três entidades ambientais pediram para ingressar como amicus curiae (amigo da corte) em ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal (MPF) que questiona alterações recentes no Plano Diretor de Natal e em legislações urbanísticas relacionadas.
A solicitação envolve o Coletivo Salve Natal, o Instituto Lorenzo Milani e o Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico (IBDU). Na ação movida pelo MPF, o órgão pede a suspensão imediata da íntegra ou de trechos de leis aprovadas nos últimos anos que podem enfraquecer a Via Costeira. Entre as normas contestadas, estão o Plano Diretor de Natal e a lei que amplia construções na região.
Na manifestação apresentada à Justiça, as entidades ambientais destacam que as alterações legislativas ocorreram sem o devido respaldo em estudos técnicos e em afronta a princípios constitucionais e urbanísticos, especialmente o princípio da vedação ao retrocesso ambiental e as diretrizes do Estatuto da Cidade. O objetivo do ingresso como amicus curiae é oferecer subsídios técnicos, científicos e jurídicos que contribuam para uma decisão judicial plenamente informada.
O arquiteto e urbanista Saulo Cavalcante é um dos integrantes do Salve Natal. Ele explica que o coletivo acompanha desde 2019 os processos de revisão do Plano Diretor de Natal e as mudanças legislativas urbanísticas.
“Nós atuamos na formação e mobilização social de comunidades afetadas por essas mudanças, assim como temos construído análises técnicas que subsidiam a defesa do meio ambiente e das comunidades vulneráveis”, aponta.
“O Salve Natal contribuiu com a análise técnica que provocou a representação para o Ministério Público que originou essa ação civil pública, a qual demonstra que a Prefeitura de Natal fez aprovar uma lei que descumpre o Plano Diretor, autorizando na Via Costeira construções que obstruem a paisagem além dos limites estabelecidos, além de ignorar as fragilidades ambientais locais e a existência da Áreas de Preservação Permanente. Além disso, também demonstramos um descumprimento no rito processual dessa lei, que não passou pelo devido processo de participação social”, continua.
O pedido de amicus curiae, diz o arquiteto, foi feito porque as entidades entendem que suas produções técnicas podem contribuir para elucidação dos conflitos técnicos e defender a integridade do meio ambiente.
“Inclusive, a Fecomércio também fez uma solicitação de amicus curiae com o objetivo de defender os interesses do mercado especulativo-imobiliário”, ressalta.
As entidades enfatizam que a ação transcende interesses econômicos imediatos e definirá o modelo de desenvolvimento urbano-ambiental de Natal para as próximas décadas, com impactos diretos sobre a resiliência climática da cidade, a segurança hídrica, geológica e paisagística da orla e a qualidade de vida da população.
O que o MPF questiona
A ação foi movida contra o município de Natal, a Câmara Municipal de Natal, a Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte e o Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente (Idema/RN) e questiona legislações de âmbito municipal e estadual que, segundo o MPF, contrariam a legislação federal (como o Código Florestal e a Lei da Mata Atlântica), além de licenças concedidas sem o devido respaldo ambiental e legal.
As legislações questionadas, na íntegra ou trechos, incluem o Plano Diretor de Natal (Lei Complementar nº 208/2022); a Lei Municipal nº 7.801/2024; a Lei Estadual nº 12.079/2025; e a Instrução Normativa Municipal nº 002/2025-GS/Semurb. O MPF também aponta as alterações previstas no Projeto de Lei nº 662/2025, que altera a Lei Municipal nº 7.202/2021.
Uma dessas legislações, a Lei nº 7.801/2024, tramitou em regime de urgência e alterou as regras para construções nas chamadas Áreas Especiais de Interesse Turístico e Paisagístico (AEITP), nas quais se insere a Via Costeira de Natal. A nova regra permite intervenções em terrenos atualmente vazios, localizados em áreas de preservação permanente e que deveriam permanecer ‘não edificáveis’ por sua importância ecológica.
Já a Lei nº 12.079/2025, promulgada em fevereiro deste ano, altera a legislação vigente sobre o “Projeto Parque das Dunas/Via Costeira” e adapta as normas ao atual Plano Diretor de Natal.
De acordo com o MPF, o objetivo central é impedir que mudanças recentes nas leis e normas municipais e estaduais abram caminho para a ocupação desordenada, colocando em risco a integridade ambiental desse trecho da capital potiguar.
O órgão também solicita que a Justiça suspenda as licenças concedidas para a região pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo (Semurb) ou Idema após a entrada em vigor do novo Plano Diretor (7 de março de 2022), com exceção das que comprovem se enquadrar nas regras do Código Florestal. Requer ainda que seja proibida a emissão de novas licenças ou alvarás de construção que violem as regras das áreas de preservação ambiental e que os dois órgãos ambientais promovam a devida fiscalização da área.
Uma das cobranças é a formulação de um Plano de Proteção e Gestão Ambiental da Via Costeira de Natal, que deve abranger medidas de proteção e de recuperação das áreas de preservação permanente, adaptação e mitigação dos efeitos da erosão, e que tenha participação social e consulta a especialistas em sua elaboração.
Ação da Prefeitura violou interesse da população, apontam procuradores
A apuração do MPF foi iniciada a partir de representação encaminhada por mais de 20 organizações da sociedade civil, entre elas o Fórum Direito à Cidade, vinculado ao Departamento de Arquitetura e Urbanismo e ao Instituto de Políticas Públicas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), o Coletivo Salve Natal e o Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico (IBDU).
Em setembro de 2024, o MPF e o Ministério Público do Rio Grande do Norte (MPRN) expediram uma recomendação conjunta para suspensão de novas autorizações ou licenças de construção até a conclusão de diagnósticos técnicos e ambientais na Via Costeira. No entanto, os gestores não acataram os pedidos.
Os procuradores afirmam que, pelo contrário, a Prefeitura do Natal publicou, em outubro deste ano, a instrução normativa que flexibiliza ainda mais as regras de licenciamento para empreendimentos na região — seja de uso residencial ou comercial — e relativiza o dever de garantir acesso público à praia, o que violaria o interesse da população.
Em junho deste ano, o MPF e o MPRN realizaram uma audiência sobre o caso. A manifestação dos cidadãos, segundo o MPF, foi no sentido de que a Via Costeira deve ser destinada ao interesse da coletividade, com prioridade para esporte, lazer, contemplação, preservação paisagística e ambiental, e não para novos grandes empreendimentos privados.
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Fonte: saibamais.jor.br
