Por Daniel Valença, professor da UFERSA, vereador e presidente do PT em Natal
A Orla da Redinha é um caso emblemático de como as elites se valem do Estado para tirar direitos do povo, enriquecer e aprofundar as desigualdades em uma sociedade capitalista.
Sob a ideologia do desenvolvimento, foram R$ 25 milhões de verba pública – a maior parte da União, por sinal – para a reforma do Mercado da Redinha e a promessa de uma “orla moderna”. Derrubaram os quiosques, o Mercado, atacaram os pescadores. Em resumo, destruiu-se a cadeia econômica da orla, paralisada desde 2022, com o objetivo de expulsar seus povos tradicionais e impor um novo padrão de orla. Não à toa, tudo isto veio junto com mudanças no plano diretor que permite, agora, construções de espigões beira-mar, desconsiderando a peculiaridade do território, sua dificuldade em relação a drenagem e aos períodos de chuva, as mudanças climáticas e o aquecimento global e das cidades.
A demora na reabertura do Mercado, portanto, não foi por acaso, foi uma decisão deliberada para sufocar economicamente a comunidade. Segundo a publicidade contratada pela Prefeitura de Álvaro Dias no início de 2023 na Tribuna do Norte, a previsão era de serem entregues “cinco lotes já no primeiro semestre de 2023”[1].
Em nossas fiscalizações, sempre notávamos que a previsão de entrega estampada nas placas de obras da gestão municipal nunca batia com a realidade. E, mais ainda, desconfiávamos que equipamentos originalmente previstos, como a reforma do Redinha Clube, ficaria como estão: abandonados.
Nesse meio tempo, estabelecemos relações com as mais diversas categorias de trabalhadores da orla da Redinha Velha. Assistimos a abordagens autoritárias e sem sentido por parte da elite política que comanda a cidade a serviço dos grandes interesses empresariais.
Foram vários os ocorridos ao longo dos últimos três anos: derrubada dos quiosques sob a falsa alegação de que seria uma determinação do Ministério Público e da Justiça; proibição do povo trabalhar na orla sob alegações falsas de que máquinas pesadas gerariam riscos ao povo; paralisação geral dos trabalhadores da orla para reivindicar seu direito ao trabalho na praia mais popular da cidade; atos e mais atos reivindicando a abertura do equipamento; a luta pela reconstrução dos quiosques, que, conquistados, só sairão do papel por meio de emenda destinada pela Deputada Federal Natália Bonavides; falsa abertura do Mercado, ainda na gestão Álvaro; “Festival de Boteco”, convenientemente aberto pela gestão Paulinho nos meses de alta estação, com autorização para que permissionários lá trabalhassem, mas cobrando percentuais altíssimos sobre a venda de alimentos e bebidas; novo fechamento do Mercado, novamente com base numa mentira, a de que as instalações internas estariam sofrendo reparos.
A verdade é que o Mercado ficou fechado por mais de um ano após ter sido inaugurado às vésperas das eleições de 24. E ficou porque se buscou que o povo da Redinha desistisse da Redinha. Mas não desistiu. Mais ainda, após intervenção do Ministério Público Federal, a comunidade teve o reconhecimento de tratar-se de uma comunidade tradicional, com direito a Consulta Livre, Prévia e Informada (CLPI), disposta Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho, segundo decisão do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, em Recife.
Os interesses da comunidade só se fizeram ouvir, enfim, depois de muita, muita luta.
O Mercado será reaberto, uma conquista extraordinária, em especial devido à resistência da comunidade, de permissionárias e permissionários. Mas ainda falta a construção dos quiosques, o respeito ao espaço da pesca artesanal, o reordenamento da orla de maneira que a Redinha respeite seus trabalhadores e seus visitantes. Mais ainda: a luta contra a privatização do Mercado (sob a figura da Parceria Público-Privada) tem de se aprofundar. Se o Mercado será reaberto sob a gestão da Semsur, da Prefeitura do Natal, como sempre o foi, então é porque deveria ter estado aberto ao longo do ano e tem condições de continuar aberto e administrado pelo poder público nas próximas décadas.
Desenvolvimento condiz com turismo comunitário e popular, a não ser para aqueles cujo objetivo é expulsar o povo do seu território e extrair mais-valia urbana às custas dos povos tradicionais.
De nossa parte, permissionários e permissionárias, quiosqueiras e quiosqueiros, ambulantes, pescadoras e pescadores da Redinha, contem conosco que seguiremos na luta em defesa de uma Redinha bela e popular.
[1] Especial Prefeitura do Natal – Janeiro 2023 by tribunadonortern – Issuu
Fonte: saibamais.jor.br
